sábado, 30 de janeiro de 2010

Balzaquianas


Não existem mais balzaquianas, pois as meninas de 30 anos, hoje, ainda moram com os pais e muitas delas ainda não acabaram os estudos. Muitas não pensam sequer em casamento e são mais felizes do que Júlia d`Àiglemont, a infeliz heroina de Balzac em seu romance A Mulher de Trinta Anos, responsável pela palavra que já definiu a mulher que permanecia solteira naquela idade.

As mudanças de comportamento na sociedade fizeram com que a mulher não dependa mais do casamento para se sentir realizada. Mesmo em idade mais avançada, independentes e vivendo sozinhas, elas são muitas em Copacabana. Com a pele queimada de sol, cabelos alourados e usando a pouca roupa imposta pelo forte verão, desfilam pelas calçadas exibindo autoconfiança.

Elas não possuem idade definida. Podem ter quarenta, sessenta anos ou mais. Formam um grupo bem presente no bairro. Pode ser identificado por um jeito de andar, falar e se vestir de quem acha a idade algo realmente irrelevante.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

A expansão da Baixada

Com certa unanimidade, os antropólogos costumam afirmar que uma cultura superior esmaga a inferior. E citam exemplos da História, como o fato de a cultura dos gregos ter influenciado a dos romanos, que os tinham vencido e conquistado seu território. Mas nem sempre é assim e às vezes se dá o contrário.

A Baixada Fluminense não se caracteriza como região onde tenha florescido uma cultura sofisticada. Faltam-lhe teatros, museus, bons cinemas, livrarias, uma forte universidade. Mas a sua influência se espalha, já subiu a serra e chegou a cidades históricas, como Teresópolis, que luta para não perder sua identidade. E está cada vez mais próxima de Petrópolis e de Friburgo.

O empobrecimento pode ser uma das causas. Mas não se deveria esquecer o jogo-do-bicho, cujos capi dividiram o território do Estado do Rio de Janeiro e descobriram que a política é uma atividade atraente para quem trabalha distante da lei. Infiltrando-se na política, consolidam seu poder e as cidades conquistadas passam a exibir a mesma arquitetura pobre da Baixada, o mesmo estilo de vida e muitas vezes a violência.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Bastardos Inglórios


Depois de todos os filmes que já foram feitos sobre a Segunda Guerra Mundial, pareceria difícil explorá-la por um ângulo novo. Não foi só Hollywood que se apropriou de episódios, personagens e acontecimentos desse evento que mudou o mundo, mas práticamente todos os cinemas europeus, do francês ao russo, passando pelo italiano, o polonês, o alemão e todos os outros, praticamente exaurindo o assunto.

Quentin Tarantino, no entanto, decidiu que poderia criar algo inédito e fez Bastardos Inglórios, uma delirante versão da guerra, que tem boas interpretações de atores, destacando-se Christoph Waltz e Brad Pitt, cujos personagens disputam quem é mais cruel.

O cinema de Tarantino é interessante. Muitas vezes surpreendente quando utiliza a desbragada violência de uma forma que atinge as raias do humor e quase sempre procura mesmo fazer humor dentro de uma atmosfera sombria. Não é o caso de Bastardos Inglórios. Dessa vez ele parece ter se levado a sério e, num filme de produção muito bem cuidada, ultrapassou no final os limites da ficção. Apaixonou-se pelos seus personagens e reescreveu a história da Segunda Guerra.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Os quatro velhinhos gays


Eles estão sempre juntos, os quatro. De idade, devem ter mais de 75, sentam-se nos bares de Copacabana, conversam entre si, riem muito e avaliam com o olhar os jóvens que vão à praia. Um deles aparenta estar abalado por alguma doença, outro se veste com elegância apurada, um terceiro é discreto e silencioso e o quarto tem o rosto marcado por rugas provocadas pelo riso.

Bebem chope devagar e moderadamente. O que parece estar doente prefere caipirinha e não os vejo comer. São magros, devem controlar o peso cuidadosamente. Riem de maneira maliciosa e cheia de ironia, como riem aqueles que se divertem com as infindáveis bobagens humanas.

O mais elegante costumava aparecer com um cachorrinho no colo, um poodle bem tratado, de cor branca, que acompanhava a conversa entre eles movimentando a cauda e dirigindo-se ora para um, ora para outro, ansiando por atenção. O cão não tem aparecido, ultimamente.

É uma turma formada há muitos anos, acostumada a conviver em seu círculo fechado, pois se entendem e se comunicam às vezes com simples troca de olhar.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Copacabana


O calor deu uma trégua mas demorou pouco e o termômetro volta a subir, pois este verão já se anunciava tão quente como os verões históricos que abafaram a cidade, quando se torna possível fritar um ovo nas calçadas.

As meninas estrangeiras das hospedarias do bairro, que vieram de países frios, estão vermelhas, encantadas com o calor. Algumas delas já se desfazem da primeira pele, como um pimentão levado a uma chama. Os bares, como sempre, estão lotados e já se ouve o batuque anunciando o carnaval.

Os quatro velhinhos gays que fazem ponto no bar da esquina tomam chope e riem maliciosamente, paqueram os garotos do subúrbio que saltam dos ônibus e do metrô em direção à praia. Um deles se abana com um leque, ereto e elegante. Marquinhos, louco, tenta desesperadamente dar um pouco de órdem ao trânsito e lança aos motoristas um olhar raivoso, ameaçador.

Copacabana consagra mais uma vez o verão na praia, nos bares e nas esquinas. Vive os seus pecados enquanto, em toda a sua preguiça, prepara-se para mais um ano de luta.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

O vingador e o perdão


A figura de um cavaleiro solitário surge no horizonte e vem até o primeiro plano. Está vestido de negro, seu rosto é duro e a sombra do chapéu cobre seus olhos. Existe tensão e misteriosa ameaça na sua presença e todos na platéia Intuímos que ele cavalga numa busca obsessiva de vingança.

Desde os tempos em que estrelava os faroestes produzidos na Itália, Clint Eastwood emprestou seu tipo alto, elegante e magro ao papel do vingador. Sob a direção de Don Siegel – seu mentor - e outros diretores menos talentosos, a série Dirty Harry enfatizou a vingança. Nos seus próprios filmes e na medida em que foi se tornando o mestre que hoje é, Eastwood soube explorar o forte sentimento da vingança que redime as injustiças.

Com Invictus, contando um episódio da história da África do Sul, quando Nelson Mandela imaginou que um evento esportivo poderia unir o país dividido pelo ódio racial, Eastwood troca o tema da vingança pelo do perdão. É um filme da maturidade de um cineasta que aprendeu como poucos a linguagem do cinema, como são produzidas as emoções e de que forma extrair dos atores sua própria humanidade.

sábado, 16 de janeiro de 2010

A vingança das ostras


Frutos do mar, principalmente ostras, representam para os franceses uma comida ritual, apropriada a dias festivos. Nas comemorações de fim de ano, toneladas de ostras são consumidas nas diversas cidades e regiões da França. Em todas as feiras livres do país há filas nas barracas especializadas em mariscos, onde em destaque se encontram as ostras: fines, spéciales, fines de claire, spéciales de claire, numeradas de 0 a 5, de acordo com o tamanho. A de número 5 é a mais fina. Nas residencias e nos restaurantes, é este o prato do dia.

“La diarrhée, c'est un peu la revanche de l'huître après sa mort”, diz a sabedoria dos antigos.

E por isso as festas de Natal e reveillon marcam também a época do aparecimento da gastro (pronuncia-se gastrô), a forte infecção intestinal que costuma surgir durante as festas de fim-de-ano. Os hospitais já estão acostumados e se preparam para o aumento dos pacientes desidratados pela diarréia, as farmácias já possuem pronto o kit dos três medicamentos básicos de combate: Ercéfuril 200 mg, Imodium lingual e Ultrabiotique.

A ameaça da gastro não é suficiente, entretanto, para diminuir o apetite dos franceses pelas ostras. E é mesmo muito difícil resistir à tentação provocada pela beleza de um plateau de fruits de mer.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

O 17éme

Os arrondissements de Paris são distribuidos em forma de espiral que começa bem no centro da cidade e vai se ampliando até seus limites. É de vinte o número dessas divisões administrativas. Como sempre acontece em todos os agrupamentos humanos, os mais ricos estão no centro e os mais pobres na periferia.

O décimo-sétimo arrondissement, o 17éme, com 160 mil habitantes, é mais ou menos do tamanho de Copacabana e também possúi moradores em diferentes faixas de renda. Os ricos, nas imediações do sofisticado Parque Monceau e a classe média distribuida pelos boulevards e ruas dos quartiers des Batignolles e des Épinettes. Embora não seja o mais rico dos arrondissements, tem quase 40 áreas de lazer distribuidas em diferentes praças, parques, jardins, passeios e areas de jogos.

O mercado a céu aberto da rue des Levis, por onde não se deve passar sentindo fome, é uma festa para os olhos e para o estômago. Os restaurantes do bairro exibem as diferentes gastronomias do mundo, os cafés e os bares estão em cada esquina. São oasis de calor onde se pode fazer uma parada para aquecer o corpo neste inverno gelado que avassala o hemisfério Norte.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Os melhores do mundo, segundo Michelin


Em sua centésima edição, o celebrado Guia Michelin sái com um livro-brinde em anexo apresentando os melhores restaurantes do mundo. São setenta e duas casas comandadas por chefs famosos e o mundo, para o Michelin, restringe-se à Europa, com alguma concessão aos Estados Unidos e à Ásia.

São cinquenta e cinco restaurantes europeus (25 na própria França) contra seis nos Estados Unidos, nove no Japão e dois na China. A grande maioria oferece, em seus cardápios, a gastronomia francesa. Há pouco espaço para as cozinhas nacionais, como o Lung King Heen, em Hong Kong, localizado no ocidentalizado hotel Four Seasons.

Os setenta e dois templos da boa comida estão no patamar dos caros prazeres reservados aos que podem pagar e concordar com Alain Ducasse, um dos mais estrelados chefs do Michelin. Ele é o primeiro da lista pela órdem alfabética e diz que “a magia das sobremesas é a de nos ajudar cada dia a reencontrar nossa infância. Mas a sobremesa é também para mim o ponto final de uma refeição, sua assinatura. Como a última marca de uma página de prazer que se vira mas que deve permanecer”. Deve se tratar de alguma complexa tese filosófica sobre a magia das sobremesas.

O restaurante de Ducasse hospeda-se no Plaza Athenée, hotel preferido pelos titulares das novas fortunas do Brasil.

domingo, 10 de janeiro de 2010

Paris sob a neve


Dizem que inverno tão rigoroso quanto este foi o de 1995. Faz, portanto, quinze anos que a Europa não enfrentava um frio tão intenso e tempestades de neve que bloqueiam estradas e interrompem a operação dos aeroportos. Quanto mais ao norte, pior. A onda de frio vem do Polo, acompanhada de ventos verdadeiramente cortantes.

É raro nevar em Paris, mas nos últimos dias os flocos continuam a cair, cobrindo as calçadas e tornando o passeio perigoso. É fácil deslizar e cair quando a neve se transforma numa cobertura de gelo.

Com o frio, os bares estão lotados por quem precisa se aquecer para continuar a andar na rua. Os seis graus negativos que têm feito na cidade não se comparam com os grandes frios dos países nórdicos ou do Canadá, ou mesmo da Alemanha, onde 20 ou 30 graus negativos é algo comum durante o inverno. Mas, a partir de determinada temperatura negativa, o corpo não é capaz de sentir grandes alterações.

Apesar do desconforto causado pela neve, a paisagem branca ressalta uma forma diferente de beleza nesta cidade sempre bela.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Le Cheval Noir


Argenton-sur-Creuse é uma pequena cidade com cerca de cinco mil habitantes, a 300 quilômetros de Paris e a outros tantos de Cahors. Bom lugar para um pernoite, que é sua vocação desde os tempos antigos, que remontam à ocupação romana do território gaulês depois da conquista de Julio Cesar.

Diversas vezes sitiada, saqueada e ocupada nas guerras feudais da Idade Média, a pequena cidade à margem do rio Creuse é hoje um lugar tranquilo com uma pequena praça central de vocação para a boemia. Nesses dias de janeiro, no entanto, o frio é muito grande e, a partir das seis da tarde, pouca gente se arrisca a sair do calor da própria casa.

Há um hotel na cidade chamado Le Cheval Noir, típico hotel de passagem, de conforto básico, construido no que foi antigamente uma agência dos correios. Talvez ele não merecesse maior atenção se lá não funcionasse um restaurante com o mesmo nome do hotel, dirigido pelo chefe Christophe Jeanrot, onde uma paleta de cordeiro coberta com molho de vinho ou um pato em confit valem a parada e compensam o intenso frio que faz em Argenton-sur-Creuse.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

500 euros


A maior parte dos turistas viaja com pouco dinheiro vivo e prefere pagar suas despesas com cartões de crédito. Outros preferem carregar o dinheiro das férias em espécie, evitando assim enfrentar na volta a dívida acumulada nos cartões, uma armadilha montada pela facilidade de pagar sem sentir que o dinheiro escorre por entre os dedos.

Viajar com dinheiro ao invés de crédito significa fazer economia durante o ano e depois comprar a moeda estrangeira que será investida na boa vida das férias. Na volta, nenhuma dívida a pagar.

Se você quiser exercitar uma forma ainda mais econômica de viajar pela França e voltar com o mesmo dinheiro, transforme seus reais em notas de 500 euros, porque assim você estará impedido de gastar. Nas lojas e nos restaurantes, poucos comerciantes terão troco para uma cédula de 500, que corresponde à metade de um salário mínimo.

Alguns investigarão a nota virando-a de um lado e do outro, contra a luz, outros vão olhar desconfiados, na suspeita de que você esteja passando dinheiro falso ou seja o próprio falsário. E depois dirão que, infelizmente, não dispõem de numerário para lhe dar o troco, preferem a garantia do cartão.

Para trocarem uma nota de 500 euros, os bancos exigem que você seja cliente. Bem que você gostaria de ser cliente de um banco francês na França. Mas com a crise que atacou as economias desde fins de 2008, pouca gente anda com 500 euros e poucos já viram uma nota que represente tanto valor.

Você voltará, então, com o mesmo dinheiro com o qual viajou.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Sex, Sun and Sea


O comerciante que se sentava à minha frente no Auberge de Gabares, em Cahors, ao saber que moro no Rio de Janeiro, rí, faz gestos de quem dança e fala de mulheres. Seu maior desejo é passar o carnaval no Rio, conhecer as mulatas cariocas e dançar o samba. Mas também diz que tem medo da violência da cidade, pelo que lê nos jornais e vê na TV.

Por onde já andei pelo interior da França e pelo mundo afora, esta é a imagem presente no imaginário dos homens: mulheres fáceis, música exótica, praia e calor. O futebol também aparece, mas nem tanto. Não duvido que seja um pensamento capaz de excitar qualquer homem. Pode até ser bom para a indústria do turismo mas esta talvez não seja a imagem capaz de melhorar a auto-estima dos brasileiros.

A promoção turística do Brasil no exterior foi sempre fundamentada no argumento que os profissionais de marketing chamam “sex, sun and sea”. Explorado durante muitos anos, parece ter atingido seus objetivos.

Para um europeu ou para um americano da baixa classe média, nada melhor do que turismo barato com a perspectiva de sexo fácil numa bela praia ensolarada.

Foi isso o que vendemos.

sábado, 2 de janeiro de 2010

Auberge des Gabares


Um restaurante cheio de surpresas. A começar pelo patrão, que se chama Alain Floquet e se parece com Jean Paul Sartre. Tem o mesmo tipo de estrabismo, é um pouco mais moço do que Sartre nos anos 70 e um pouco mais alto. Bem humorado e divertido, provoca os clientes enquanto, sozinho, atende e serve a cerca de 30 mesas numa casa lotada. Além dele, a equipe se compõe da sua mulher – Jaja - e mais uma cozinheira gorda que se ocupa das panelas e do fogão.

O cardápio é único, no Auberge des Gabares, na Praça Champolion, às margens do Rio Lot. Antes de entrar, o cliente já deixou claro que aceita o que lhe será servido.

Hoje, o cardápio era composto de sopa, uma entrada de rillette e salame seco da região, o prato principal que poderia ser caça ou pot-au-feu, um plateau com diversos queijos, sobremesa a escolher entre quatro tipos e café. Vinho à vontade, com outra surpresa ao final: 15 euros por pessoa, preço fixo.

Esta é a razão de o Auberge des Gabares estar sempre com todas as suas mesas ocupadas e quem chegar depois das 13 horas não encontra lugar. É frequentado tanto pelos trabalhadores das obras da vizinhança quanto pelos notáveis de Cahors. A família que administra a casa veio do Aveyron, uma região próxima mas com diferente gastronomia. É uma comida típica da França profunda, como gostam de assinalar os franceses.

Alain me pergunta se, no Rio de Janeiro, haveria espaço para um restaurante como o dele. Respondo que não sei. E penso que não sei porque há muito tempo não saberia traduzir honestidade na linguagem dos restaurantes.

Certamente voltarei ao Auberge des Gabares.