quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

Fim de ano



O fim de um ano e a chegada do outro com seu aceno de esperança dirigem as emoções do mês de dezembro. Mas é de se perguntar se há mesmo o que festejar. Há quem se alegre com o ano que passou e com o que se aproxima. Mas uma réstia de consciência olha o entorno e não descobre causa de alegria. Com a certeza de que os tempos a vir serão piores e fortalecerão as fraquezas de um mundo que se prepara para a escuridão de uma nova Idade Média – o colapso da inteligência, o ódio religioso, o nome de Cristo a justificar as iniquidades.

Vem à memória o que li certa vez, num outro fim de ano, no jornal La Republicca, editado em Roma. Era um texto assinado por seu editor naquela época, Eugenio Scalfari, depois de uma eleição que marcou a ascensão da Direita na Italia e, como agora, foi palco de várias outras tragédias: "questo anno terribilis che sta per andarsene col suo fardello di sangue, di pianto, di aggravata miseria, di incertezze economiche e di piu intense paure esistenziali" 

Este ano terrível que está para ir embora com seu fardo de sangue, de pranto, de agravada miséria, de incerteza econômica e do mais intenso medo existencial.


sábado, 8 de dezembro de 2018

Um pássaro





Na manhã cinzenta, o velho pensa e mergulha nos pensamentos porque pensar é  viver dimensões insondáveis, sonhos nunca imaginados e é também o sofrimento dos velhos. Uma ave estranha o acompanha e o murmurar das árvores denuncia a ventania e a chuva que se aproxima. Faz frio como prenúncio do inverno que virá cobrir tudo: reflexões e folhas soltas no tempo insólito das vivências tardias.

Acabaram-se os espantos e apenas o grasnar daquelas aves sugere a lembrança de algo que se perdeu e que a memória é incapaz de alcançar. Que assim seja, pois há um poema que se dissolveu em torpor e nunca mais há de reviver, só os escritos fúteis, as falas inúteis e um tipo de beleza inalcançável hoje como sempre foi. Sombras trágicas, dispersas, destituídas de rosto, impossíveis de olhar.

Voltam os redemoinhos, sentimentos soltos mergulhados em poeira que os olhares antigos levantam e que haverá de cobrir tudo – as lembranças, os sentimentos confusos, as emoções que se perderam e que nem o tempo haverá de resgatar. Um pássaro negro a repetir nunca mais.