segunda-feira, 29 de outubro de 2018

A luta



Há muito tempo eu disse à minha filha que, ao adotar o pensamento de esquerda,  ela havia escolhido o lado que sempre perde. Embora com vitórias importantes na melhoria da vida dos deserdados, a luta de classes tem privilegiado os ricos ao longo da triste História dos homens. E assim tem sido desde quando a desorganização social conduziu à exploração do homem pelo homem, como define a consagrada expressão de Marx.

O que eu não disse na ocasião é que as derrotas, as perseguições e as injustiças nunca fizeram a melhor parte da humanidade desistir da utopia. E depois de cada combate perdido – como a lenda de Sísifo - um novo ciclo recomeça, em condições muitas vezes mais duras ainda. Pensar os ferimentos, reunir os que continuam a acreditar no futuro e continuar a viagem, que não tem fim mas que justifica o ato de viver. Não há maior nobreza do que ficar ao lado dos vencidos.

quarta-feira, 10 de outubro de 2018

Uma tarde



Um dia como os outros, o sol morno exibe-se no céu bem azul e existe alguma alegria no riso das raparigas que se espalha com o vento. O barulho dos automóveis disfarça o ladrar de cães ocultos em algum lugar atrás dos muros. Há também o choro irritado de uma criança transformando o dia.

O velho afasta-se da esquina enquanto a brisa levanta o pó confuso das memórias e de alguns momentos do presente inútil. Há música na distância, tambores de um samba sem ritmo, pimba, o soar de metais nos instrumentos que esgarçam todas as harmonias perdidas em algum lugar escuro das lembranças.

E aquele vento traz consigo lamento, dores e tormentos vividos como se fora o sangue de animais sacrificados. Uma pedra também sangrenta aflora dessas imagens doentias e o velho, abrigado pela sombra, silenciosamente pensa na morte e em todas as despedidas.