terça-feira, 26 de abril de 2011

Jota


Entre as centenas de mortos no trânsito das estradas e da cidade e na violência de cada dia, nenhum jornal noticiou a morte de Jota, que vivia na noite. Seu ponto era a esquina de Viveiros de Castro com Prado Junior, bem no meio da área onde a malandragem divide o espaço com os velhos moradores de Copacabana.

Jota foi encontrado debaixo de uma marquise com um tiro disparado à queima-roupa na testa. Ele fazia a vida prestando pequenos serviços às garotas do Barbarella, ia à farmácia e fazia compras nas lojas noturnas da vizinhança. Dizem que também estava à disposição para subir o morro e buscar algum bagulho a pedido delas ou de um cliente.

Gordo, pequeno, andava rebolando e tinha sempre ar de riso. Vestia um paletó cinza menor do que o corpo e calças jeans sem cor e era este seu uniforme. Parado na esquina, gesticulando e falante, puxava conversa e conhecia pelo nome os motoristas de taxi.

terça-feira, 19 de abril de 2011

La Tour d’Argent


Na mesa ao lado, os quatro velhinhos gays discutiam com o garçon e um deles liderava a indignação de todos contra o aumento no preço do prato. Eles costumam almoçar juntos, sem fidelidade a um único local mas estão sempre nos botequins da Barata Ribeiro, nos três blocos e meio entre Paula Freitas e Rodolfo Dantas.

“Reclama do galego”, disse o garçon, com receosa discrição e olhando para a caixa registradora; atrás dela sentava-se o dono do botequim. Mandaram chamá-lo e o mais alto deles, o que se veste com elegância, faz as sobrancelhas e usa uma bengala, procurou saber a razão daquele preço por um magro filé de peixe.

O dono do botequim acentuou o sotaque da Galícia e informou que estava comprando o peixe bem mais caro porque é assim todo ano na época da Páscoa. Um dos velhinhos riu com ironia e disse que por aquele preço nem o coelho da Páscoa. O da bengala, antes de recolher entre eles o dinheiro para pagar a conta, disse com desprezo que um botequim de terceira classe em Copacabana estava cobrando mais caro do que La Tour d’Argent, quando ele morava em Paris.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Ivan


Sua forte compleição atlética trabalhada com halteres pesados e um rosto fechado, com a moldura de um cavanhaque negro, completavam sua figura e o papel de homem mau que gostava de desempenhar. Exibia sua valentia. Quando bêbado, aumentava o volume da voz poderosa e todos se calavam, o bar ficava num silêncio amedrontado que nem parecia um bar.

Vestido de uma sunga de praia, viajava de moto nos fins de semana para Arraial do Cabo e passava a tal velocidade pela blitz da Polícia Rodoviária, em São Pedro da Aldeia, que os policiais não tinham ânimo de persegui-lo.

Gostava de armas. Calou o barulho de uma festa no apartamento de frente com um tiro certeiro no aparelho de som. Tinha medo de baratas e ternura pelos amigos. Na convivência, revelava-se um sentimental que não suportou a solidão. Naquela noite, bebeu uma garrafa de vodka, entrou no mar, nadou até muito depois da arrebentação e ficou lá para sempre.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Segunda-feira


O bairro amanheceu com o trânsito parado nos engarrafamentos. As fábricas de automóveis, produzindo mais de 3 milhões de unidades por ano, despejam esses novos modelos nas ruas. Qualquer dia poderemos despertar e assistir ao nó definitivo. O metrô, depois do fim da baldeação no Estácio, caminha para se igualar ao de Tóquio, onde os passageiros são empurrados com o pé para dentro dos vagões lotados.

Marquinhos em seu delírio tenta organizar o trânsito, cospe no chão e grita com os motoristas palavras que não articula mas que sabemos ser de ódio pelos olhos esbugalhados. As crianças reunidas diante da escola municipal ainda mostram um certo olhar de perplexidade e tristeza.

As previsões do tempo insistiram nos boletins de muita chuva para estes dias, acompanhada de raios e trovões, talvez houvesse enchentes. Mas o sol insiste e contradiz, apareceu em céu claro e as praias continuam cheias. Os turistas ainda estão por aí, de pele avermelhada, as meninas em vestidos leves e sandálias havaianas.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

A transitória glória do mundo

Um dos homens mais ricos do mundo foi um sueco chamado Ivar Kreuger, que teve o monopólio da fabricação e venda de fósforos em práticamente todo o mundo. Em seus escritórios localizados no prédio de número 7, na elegante Place Vendôme, em Paris, comandava várias empresas, entre as quais a poderosa Ericsson, e administrava o monopólio de fósforos negociado com chefes de estado em quase todos os países ocidentais.

Kreuger era também um boa-vida, dotado de grande charme pessoal, amante de belas mulheres que frequentavam sua garçoniere no andar logo acima dos seus escritórios. Era também amante dos bons vinhos, que guardava no subsolo do mesmo prédio. Sua adega despertou inveja até no banqueiro J.P. Morgan, seu rival no mundo dos negócios internacionais.

Como todos os grandes investidores, Ivar Kreuger amava os riscos do poker dos grandes negócios, que enfrentava com reconhecida inteligência financeira e dos quais saía ainda mais rico. Numa dessas jogadas, a fusão da Ericsson com a ITT americana, blefou e deu-se mal. Na manhã do dia 12 de março de 1932, Kreuger comprou uma pistola Browning automática de 9 mm e cem balas. Usou apenas uma delas para matar-se com um tiro no coração.