sábado, 20 de outubro de 2012

Os quatro velhinhos gays



 Há meses que não os vejo juntos como antes, bebendo nos botequins da Barata Ribeiro enquanto seguiam com o olhar os rapazes que passam na direção da praia. Um deles, muito pálido, parecia doente mas os quatro estavam sempre alegres, discutiam viagens, Paris era a cidade preferida de todos.

O mais elegante deles tornei a ver na tarde de ontem, de andar vacilante, apoiado no braço de uma acompanhante. Não estava vestido como antes, quando usava tonalidades claras e um chapéu que combinava com a cor da roupa. Havia um certo descuido na sua aparência. Percebi que negociava com a acompanhante, uma negra alta e forte, o direito de sentar-se à mesa do botequim. Segui caminho, quando voltei ele já se sentara, bebia uma caipirinha e olhava os rapazes que passavam na direção da praia. A acompanhante, que não conseguia disfarçar o mau humor, parecia conformada.

Não sei por onde andam os outros três do grupo dos quatro velhinhos gays.

sábado, 13 de outubro de 2012

Sobre a História


Quando se fala em História, o pensamento é levado a imaginar uma corrente de acontecimentos que teria começo, meio e fim. O mundo inteiro, países, nações e as pessoas como personagens de uma narrativa virtual contada pelo destino. Haveria então uma lógica nos fatos e na sua ocorrência que se sucede no tempo.

Mas não é assim que acontece. Não existe sentido lógico sequer na vida humana, regida por casos fortuitos. A História é uma sucessão de imprevistos. Já se tentou explicá-la através de feitos pessoais de grandes homens ou da lógica dos conflitos. Mas tudo o que aconteceu ou acontecerá no mundo poderia não ter sido. Ou poderia ter sido o seu contrário.

A espécie humana, que domina o planeta, produto de uma contínua evolução, segundo a ciência, poderia não ter existido. Bastaria um pequeno acidente genético, um tropeço ou cataclismo para que não existisse sequer uma História, que é produto do acaso.

domingo, 7 de outubro de 2012

Assalto no metrô


Na estação Chatelet, a mais movimentada, elas entram no vagão lotado, em bando, e lhe empurram forçando a própria entrada. Uma delas, que se colocara bem atrás de você, faz pressão com o corpo contra o seu. Atento, você percebe que, de repente, sua carteira desapareceu do bolso. Pressionada, a menina deixa a carteira cair no chão, aproveita a súbita parada na estação seguinte e foge. O bando a acompanha, nervoso. Ela não teria mais de 13 anos, o olhar era duro, o rosto pálido, de tez doentia. Você suspira aliviado com a recuperação de todos os seus documentos e algum dinheiro.

A Romênia é um país da União Europeia, o mais pobre deles. Egresso de uma ditadura brutal, ainda é dominado pela desordem econômica, a corrupção e o desemprego que chega a mais de vinte por cento entre os jovens. Eles estão emigrando para os países mais ricos em busca de sobrevivência. E roubam, traficam drogas, prostituem-se, formam bandos como aquele da estação Chatelet.

Desde ontem, não consigo esquecer o olhar daquela menina.

sábado, 6 de outubro de 2012

Chez la Vieille


Paris possui bons restaurantes, em qualquer categoria de classe ou preço. Mas é crescente o número de pièges à touristes, as armadilhas para turistas. Nomes de grande tradição como o Pied de Cochon, Brin de Zinc, Le Petit Zinc e Pharamond saíram das mãos de profissionais e foram comprados por grupos empresariais sem compromisso com a qualidade e de olho na multidão de turistas pouco exigente e com bastante dinheiro.

A culinária é uma forma de artesanato, alguns chegam a chama-la de arte. Perde a alma quando passa a ser vista apenas como forma de fazer dinheiro. Parece ter sido este o ponto de vista do empresário Christian Millet quando comprou o bistrô Chez la Vieille (1, rue Bailleul), que fez sua fama quando sua dona era a velha Adrienne.

Millet procurou manter a mesma atmosfera de antes, a mesma decoração das pequenas salas e contratou o jovem chef Itché Tagouma. Vê-se, pelo nome, que ele não é francês. Mas é um mestre da cozinha francesa e tem o que ensinar a muitos chefs da França.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

A proliferação da obesidade


As revistas femininas volta e meia falam da elegância da mulher parisiense e costumam compará-la com a mulher americana. Uma seria magra, a outra descuidada com o próprio peso. A francesa, apesar do culto que o país devota à gastronomia, estaria imune à maldição da obesidade. Penso que já não é bem assim.

Embora se cruze com mulheres elegantes, esbeltas, bem vestidas, já se pode no entanto observar uma mudança de padrão no estereótipo. Vê-se que o sobrepeso está presente nas ruas de Paris em mulheres e homens gordos, o que era raro no passado.

A pressa da vida, a popularização do fast-food, a ansiedade contemporânea, talvez sejam estas algumas das causas da proliferação da obesidade. Há quem diga que tudo começou quando o primeiro McDonald’s fez sucesso na França. Hoje, são centenas espalhados pelo país e um deles, vitorioso, exibe sua bandeira no Carrousel du Louvre, o sofisticado shopping center do afamado Museu.