sábado, 30 de março de 2019

Os mortos

Convivemos com nossos mortos. Lembrá-los é uma maneira de mantê-los vivos na nossa vida. A memória deles nos ajuda a evitar a despedida que sabemos eterna. Enquanto envelhecemos aumenta a quantidade dos amigos e dos mais próximos, amantes e conhecidos que partiram antes de nós. Teu pai morreu, teu avô também, em ti mesmo muita coisa já expirou, outras espreitam a morte, nos lembra Drummond em seu poema de passagem de ano.

A dor da lembrança e dos instantes perdidos estará sempre conosco enquanto vamos a ficar cada vez mais sozinhos. A solidão da vida presente na lembrança dos nossos mortos. Eles vão nos acompanhar para sempre. De repente um rosto, uma gesto, uma palavra vai nos trazer a imagem de alguém que um dia nos acompanhou num breve espaço da nossa existência.

Aprendemos a lidar com a morte pela dificuldade de entender o amor e seu desejo de ser eterno enquanto sabemos pouco, muito pouco sobre a vida. Nada esperamos de paragens desconhecidas, de seus traços e da ausência que transporta consigo apenas a dor e seus contornos indefinidos.

quinta-feira, 14 de março de 2019

Aniversário



A criança vive na memória do velho, o menino calado de olhos grandes, curioso, surpreso com as descobertas do mundo. As lembranças não desaparecem, misturam-se umas às outras e despertam leves sentimentos de nostalgia e também de arrependimento e culpa por gestos e palavras que se revelaram inúteis. A vida se mostra com a intensidade que pulsa até mesmo nos males que o tempo acumula e as dores sopram de algum lugar de dentro da alma.

A infância teima em lutar contra as sombras que invadem o sono, apascenta as vigílias e recita os versos mudos que jamais serão escritos. Fazem parte da poesia que nunca encontrará sua forma mas estará presente como se forçasse a ressureição de sentimentos mortos.

Pois para isto fomos feitos. Viver as voltas da vida, habitar a fonte dos conflitos que nos acompanharão até esgotar-se a derradeira brisa. Penso na inutilidade de todas as coisas e nas feridas que nunca cicatrizaram. Há chuva, um tímido sol, nuvens sombrias e certa beleza no despertar da primavera fria.