segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Mister Lu

Mister Lu sobreviveu no Brasil dando aulas de inglês. Era chinês de Hong Kong e sua desventura começou quando apaixonou-se por uma diplomata brasileira e se mudou para cá. Pretendia casar-se. Antes de viajar, vendeu tudo o que tinha e comprou um terreno em Brasília onde ergueria uma casa e construiria o lar. Vítima de um vigarista, o terreno ficava dentro do lago da cidade. E a noiva morreu de repente antes do casamento.

Começou a dar aulas de inglês. Transferiu-se para o Rio, alugou um pequeno apartamento em Copacabana e embriagava-se todo fim de semana. Seu agradecimento irradiava felicidade quando, na aula das sextas-feiras, de vez em quando eu o presenteava com uma garrafa de uísque.


Um dia, me deu o livro de textos que o guiava nas lições, disse que não tinha mais nada a me ensinar e desapareceu para sempre. Nunca aprendeu direito o português. Algum tempo depois, me disseram que ele se matara, perto da virada do ano, com um disparo na têmpora direita.

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Turistas

Eles já estão por aí, ainda muito brancos, alguns já acometidos da vermelhidão que decorre dos primeiros dias de sol. Muitos vêm de longe e procuram se expressar em inglês deixando atônitos, imóveis, os garçons dos botequins. Outro dia, ajudei um casal a pedir um prato de batatas fritas. Chope, souberam falar.

Um turista não passa despercebido, em nenhuma cidade do mundo. Algo os denuncia, um ar desprotegido e curioso, diferente modo de olhar as coisas, roupas de outra moda, curiosidade por tudo e o jeito meio perdido de  andar na rua.


Talvez seja Copacabana o bairro de maior concentração dos mais de um milhão de turistas que aparecem no Rio durante o verão, como andorinhas migratórias de outros climas. Fogem do frio do Hemisfério Norte, muitos vêm dos outros estados do Brasil para enfrentar o forte  calor destes meses. A beleza da paisagem parece compensar as ameaças que a cidade guarda em suas sombras.

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Natal

Um acesso de pranto cerca a vida
no momento em que a criança nasce
para o sacrifício dos dias.

O sono do qual acorda
leito de palha, pasto de animais -
despertará também neste Natal.

Não para a festa de guirlandas,
das vitrines de alabastro
e neve de algodão.

É uma criança de face
e expressão perdidas,
lembradas apenas nos escritos.

Na memória dos feridos,
no pesadelo dos mudos
e no olhar dos perseguidos.

Esperança. Palavra repetida,
proclamada nos ritos,
nas igrejas e comícios.

Pouco proferida no dezembro
do calendário dos anos: mil
novecentos e oitenta e cinco.

Uma vez ainda no Natal,
tão próximo da morte e da Paixão,
a memória e o tempo se confundem.

Mas encontram-se nas ruas,
no asfalto das cidades,
na chama das velas de eletricidade.

Entenderemos o pranto do recém-nascido,
perscrutaremos o olhar de espanto e medo
com esta palavra traduzindo tudo.



(in O Último Número)

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Vida

Há o desejo de vida nas manhãs, diante da claridade, o sol se sobrepondo sobre qualquer réstea de sombra. É como se procura evitar a solidão da noite, pois a escuridão é onde habitam as ameaças, o desconhecido e os grandes segredos irrevelados. A tarde é o tempo que se desvanece e morre, acompanha o lento apagar do dia.

Tantas vezes se comparou a aurora e seu trajeto à vida humana. As manhãs seriam a imagem refletida da infância dos homens e a noite a metáfora da morte após o lento desfilar da tarde. As mudanças do tempo, os perigos do clima, tempestades elétricas, trovões, o anoitecer em pleno dia seriam representações dos dissabores humanos.


Assim como a luz do sol depois de nuvens sombrias simbolizariam o renascer de esperanças. O recomeçar na densa umidade das fortes chuvas ainda presentes na memória de todos – a perigosa aventura de viver num planeta inacabado, onde se revezam as ameaças das inundações e dos estios.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Dezembro

Dezembro é associado a festas, comemorações de um ano que finda e renovação de esperanças para um novo que em breve se inicia. Mas tem sido também um tempo aberto à destruição e tragédias coletivas, tempestades arrasadoras no hemisfério Sul e nevascas assombrosas nos países do Norte.

As mudanças no clima ecoam as agressões de uma humanidade consumerista dilapidando o patrimônio da Terra. Os países ricos exploram o que podem transformar em riquezas e deixam para trás paisagens arrasadas. E nos países pobres a presença da miséria contamina o espaço em que vai se alastrando.


Dezembro é o mês das despedidas, das alianças partidas, paisagem de acontecimentos sombrios, do agouro dos pressentimentos. É neste mês que os desejos acumulados encontram seu parco destino e buscam se renovar na passagem dos anos. Tem como pano de fundo o desespero das tragédias repetidas.