quinta-feira, 28 de julho de 2011

Homenagens


A moça deu as costas para a estátua de Drummond, no Posto Seis, e olhou-a por cima do ombro enquanto suas amigas fotografavam. Na pose que ela fazia, o poeta, discreto como foi em vida, olhava com interesse para as suas nádegas. Penso que foi uma bela homenagem a quem escreveu um dia num poema

A bunda são duas luas gêmeas
em rotundo meneio. Anda por si
na cadência mimosa, no milagre
de ser duas em uma, plenamente.

Enquanto Drummond está sempre a ser fotografado na companhia das mulheres, a estátua de Caymmi não tem a mesma sorte, respirando o odor de peixe da colonia de pescadores. E o soldado ferido na esquina da Siqueira Campos, memória dos mortos da revolta de 1922, é o preferido dos pombos.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Nina


Ela possui um olhar meio vazio, como se olhasse e não visse. É bem velhinha, vestida com elegância numa roupa esportiva branca. O andar é curvado, como se o corpo tivesse encolhido na passagem do tempo mas caminha com alguma firmeza no calçadão de Copacabana.

Tem um cartão pendurado no pescoço com seu nome – Nina – e um endereço na Avenida Atlântica. Alguém da família teve a preocupação de escrever essas informações, provavelmente para obter ajuda no caso de Nina se perder na caminhada e não se lembrar onde mora.

A desorientação é um dos sintomas do Mal de Alzheimer, junto com a facilidade de se perder mesmo em ambientes conhecidos. Dizem os médicos que 3 por cento das pessoas entre 65 e 74 anos são acometidas pela doença. Após os 85, metade.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Ódio


Vicente me contou. Ao caminhar no calçadão, chocou-se violentamente com um homem que vinha em sentido contrário. Teve inexplicavel acesso de fúria e percebeu que o mesmo acontecia com o homem. Iam entrar em violenta luta corporal se não tivessem sido contidos e separados.

Voltou a caminhar e recordou um conflito da adolescência, quando se envolveu em luta insana e feroz com um desconhecido. Já não se lembra do motivo, mas que foram separados machucados e sangrando.

A memória veio como uma síncope. Era ele, o mesmo adolescente, agora também envelhecido, no calçadão de Copacabana. O acaso fez com que se chocassem e a mesma fúria refluira como se despertasse. Vicente, de natureza tranquila, diz que tem uma certeza: se voltarem a se encontrar, prosseguirão o confronto com o mesmo ódio que vai levá-los até o fim.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Copacabana no frio


Nesses dias de frio, em que nos esquecemos do intenso calor que nos castigou em janeiro, os casacos sairam do armário e Copacabana perde sua identidade. As mulheres, habitualmente quase despidas, desfilam em toalete paulista.

As velhinhas do bairro demonstram maior padecimento, como se o clima acentuasse as rugas do tempo vivido. No calçadão, os andarilhos usam mangas compridas e marcham em rítmo mais acelerado.

Gotejando suor, com os olhos esbugalhados, Marquinhos, o maluco da vizinhança, atravessou hoje quase correndo a pequena praça Manuel Campos da Paz. Vestia um terno de linho branco, todo amassado mas limpo. Usava também uma gravata vermelha fina e suja. O frio não lhe dizia respeito.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Um cão chamado Leitão


Ele trouxe afeto e companhia a quem precisava. Pouco pedia em troca e nos olhava demoradamente. Parecia procurar saber em que pensávamos, o que nos preocupava ou entristecia.

Durante anos fizemos companhia um ao outro. Sabíamos nos entender e nos comunicar um com o outro pelo simples olhar e nossos momentos foram divertidos e bons. Com as atribulações da vida, sofreu grande solidão quando foi praticamente abandonado nas montanhas. Fernanda o acolheu e amou e agora é quem mais sofre com a sua morte.

Nos últimos anos, teve vida sossegada e feliz mas a velhice aproximou-se com seus estragos. Sabemos que a morte só existe porque existe a vida mas não nos acostumamos à resignação.Vale homenageá-lo com a lembrança de um amigo que nos ensinou como uma simples presença pode nos fazer felizes.

sábado, 2 de julho de 2011

O herói


Os gregos da antiguidade diziam que nada se deve temer, pois os heróis já enfrentaram todos os perigos antes de nós. O mito do herói sempre esteve presente em todas as civilizações e de Teseu a Luke Skywalker ele enfrentou todas as vicissitudes.

Não existem várias histórias diferentes vividas pelos heróis, mas apenas a única história de um só herói que se repete e nas quais o narrador coloca muito de si mesmo.

Joseph Campbell estudou toda a mitologia do herói para nos dizer que a única história, mil vezes repetida, é a da personagem que se lança na aventura, enfrenta inimigos, experimenta enormes provações e volta para casa depois de transcender a existência comum. A história é sempre a mesma. O que muda é a maneira de contar.