terça-feira, 28 de março de 2017

Os mortos



Convivemos com nossos mortos. Lembrá-los é uma maneira de mantê-los vivos na nossa vida. A memória deles nos ajuda a evitar a despedida que sabemos eterna. Enquanto envelhecemos aumenta a quantidade dos amigos e dos mais próximos, amantes e conhecidos que partiram antes de nós. Teu pai morreu, teu avô também, em ti mesmo muita coisa já expirou, outras espreitam a morte, nos lembra Drummond em seu poema de passagem de ano.

A dor da lembrança e dos instantes perdidos estará sempre conosco enquanto vamos a ficar cada vez mais sozinhos. A solidão da vida presente na lembrança dos nossos mortos. Eles vão nos acompanhar para sempre. De repente um rosto, uma gesto, uma palavra vai nos trazer a imagem de alguém que um dia nos acompanhou num breve espaço da nossa existência.

Aprendemos a lidar com a morte pela dificuldade de entender o amor e seu desejo de ser eterno enquanto sabemos pouco, muito pouco sobre a vida. Nada esperamos de paragens desconhecidas, de seus traços e da ausência que transporta consigo apenas a dor e seus contornos indefinidos.

segunda-feira, 20 de março de 2017

Trevas



As trevas são habitação do medo, às vezes se constroem no íntimo dos homens e obscurecem a visão das coisas do mundo. Existem porque são antípodas da luz, de paisagens primaveris, do odor da chuva sobre um campo ressecado, inútil. No vasto azul escondem-se nuvens macias, brancas, onde não existem temor ou ameaças sombrias.

Existem, sim, paragens desconhecidas onde talvez naveguem sentimentos, crenças na luminosidade da vida ao lado de enleios, relvas umedecidas por finos orvalhos noturnos. São estas as visões que desassombraram os videntes que fugiram do inferno em busca da poesia.

A noite mais uma vez se aproxima das cores do crepúsculo, as águas do rio cor de chumbo passam com pressa rumo ao mar onde irão confundir-se com tonalidades menos escuras. Não haverá que temer nem trevas nem as sombras invasoras do poente. Vagarosamente, o silêncio começa a dar sentido às coisas inúteis que são, elas sim, a imitação exata dos segredos que cercam tudo, até a vida, ela mesma.

quarta-feira, 15 de março de 2017

Um nome



Quase não falo. Trago presos
o peso das palavras e a mudez
diante do que é transitório.

A vida vale pelos precipícios,
pela morte, por seus labirintos,
pelos seus formatos perecíveis.

Dor é a dor dos oprimidos
e não a dor dos corações partidos
e não a dor do soco do inimigo.

É mais a dor do fundo das feridas,
a cicatriz das almas humilhadas,
o olhar para trás dos fugitivos.

O silêncio em que se debruçam
as marcas da nossa fome
e o seu desejo calado.

As suas assombrações,
o seu delírio, a febre
enlouquecida das sezões.

Tudo junto na memória
das coisas construídas
à margem do pensamento.

E sei que esta melodia,
estes sons desencontrados,
repetem o mesmo tema:

homem, lembra o teu nome,
não esqueças o teu nome
não te esqueças do teu nome.

Pois a lembrança se parte
quebrando-se nas muralhas
de ódio e de esquecimento. 

Escreve-se no teu rosto,
na palma de tuas mãos,
por toda a tua lembrança.

Por que não se nasce sem nome?
Não se morre sem ter nome?
É esta a vida do homem.