quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Noite


Fugitivos de presságios, fantasmas, alucinações, os passos vindos da noite ecoam nas manhãs. Desde a infância dos homens o temor da escuridão representa cegueira, perdição e fronteiras fechadas para rotas de fuga inalcançáveis. O desespero dessa solidão conduziu o homem à procura de Deus, nos albores da sua história.

Fugir da escuridão em busca da luz criou a adoração do Sol, a primeira divindade, sublimação do resgate após uma noite sombria e absoluta. E a metáfora de um único dia como representação da vida: o nascimento como os raios de uma aurora sangrenta, a manhã radiosa e o entardecer da velhice anunciando a chegada da mortalha da noite.

A comparação entre morrer e dormir assinala a busca de entender o ciclo da vida em seu final. O corolário dos sonhos como franjas de felicidade em uma vida paralela e dos pesadelos como representações do horror que nos assombram. Após vencer as madrugadas, outro ciclo de vida recomeça, repete os dias e conduz na direção do eterno e do finito.

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quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Realidade


Enquanto escrevo a violência e o desastre espalham desumanidade e espanto, uma criança assassinada é lançada no abismo. Viveu breve momento num século obscuro, num país injusto, torpe, cercado por feras invasoras do espaço da vida. Não há sombra de estima entre os iguais. Apenas labirintos.

A brutalidade está próxima dos universos subjetivos, não existe música na existência e o que virá se anuncia com mais violência no torpor do mais escuro silêncio. Nada se diz e seus sinais constroem pesadelos.


Escrevo sobre sonhos em busca de inexistente beleza. Pressinto a silhueta do real e recuso a terrível expressão das suas ameaças. Preciso recusar a poesia e seu ritmo inconstante, inconsútil. O real faz sombra às fantasias, em breve estarei condenado a encará-lo de frente e abandonar a fuga.