sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

As mulheres de Picasso


Das mulheres que teve em sua longa vida, só uma o acompanhou desde criança.

Amélie Lang ele a conheceu em 1905, quando tinha 23 anos de idade. Olga Khokhlova, uma bailarina russa, ele a encontrou e se apaixonou por ela em 1918, até o dia, em 1927, em que veio a conhecer Marie-Thérese Walter, com quem teve a filha Maya e que veio a se matar muitos anos depois, em 1977.

Henriette Theodora Markovitch, uma mulher bela e triste, nascida na Croácia, entrou na sua vida em 1936. Ele a deixou em 1943, quando já tinha 60 anos e se apaixonou por Françoise Gilot, de 21, que lhe deu dois filhos – Claude e Paloma – e que o abandonou dez anos depois.

Jacqueline Rocque, sua última companheira oficial, ele a conheceu em 1954 e viveu com ela até a morte, na cidade de Mougins, em 1973. Jacqueline também se matou com um tiro na cabeça treze anos depois da morte de Picasso.

Quando tinha noventa anos, Pablo Picasso disse numa entrevista que pensava na morte desde a infância. Ela, declarou na ocasião, havia sido a única mulher que o acompanhara durante toda a vida.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Ecos do carnaval


O fim do carnaval traz uma certa atmosfera de paz à cidade que tanto se agitou durante quatro dias seguidos. Pelo que fiquei sabendo, o carnaval de rua reaparece aos poucos e a festa, no Rio de Janeiro, não fica mais restrita à Marquês de Sapucaí. O desfile das escolas de samba é uma exibição elitizada, comandada pelos chefões do jogo-do-bicho onde se misturam crime, governo e sociedade numa união promíscua que exigiria uma certa reflexão.

Por falar em elitização do carnaval, no de Salvador um abadá – mortalha de luxo exigida de quem pretende acompanhar um bloco – chegou a custar, este ano, R$840. Por dia.

Aqui em Copacabana, passaram pela rua muitos blocos puxados por carros de som, formados por foliões pobres, maltrapilhos de verdade, não era fantasia, junto com alguns turistas muito brancos, avermelhados de sol.

Enfim, acabou a festa. E eu continuo pensando no que faz uma pessoa animar-se toda, dar um salto e sair pulando ao ouvir os primeiros acordes de “Mamãe eu quero mamar”.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Recife


Na última vez em que estive em Recife, fui passear à noite pelas ruas que frequentei quando estudante. Senti-me atônito com a miséria do centro. Era uma multidão de miseráveis ocupando as ruas da margem do Capibaribe, principalmente a Rua do Sol, que fica no lado oposto à Rua da Aurora, num simbolismo poético que nos encantava. Eramos adolescentes tomados pela poesia de uma cidade que julgavamos uma das mais belas do mundo, com seus rios e suas ilhas urbanas.

Mas aquela beleza não suportou o êxodo das populações muito pobres que vieram construir a miséria da cidade grande. A metrópole regional é para onde acorrem os sem nada, na esperança de viverem dos refugos e das sobras que podem ser encontrados no lixo dos abastados.

Nessa noite em que eu passeava no meio daquele mar de gente feia e doente, cenário humano da verdadeira miséria, onde a violência encontra o melhor ambiente para explodir, um homem estourou com uma pesada pedra a cabeça de um outro que dormia na calçada da Rua do Sol. Eu vi.

Essa lembrança me vem agora, quando acabo de ler no jornal que Recife vai sediar uma das próximas lojas da griffe de luxo Louis Vuitton. Entre outros produtos criados para os ricos do mundo, ela acaba de lançar a linha de diamantes Les Ardents, com lapidação exclusiva.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Farenheit


O livro de Ray Bradbury é de 1953, o filme de François Truffaut é de 1966 e o de Michel Moore, de 2004. Truffaut filmou a história contada no livro de Bradbury, Farenheit 451, cujo título é uma referência à temperatura em que arde o papel, pois se passa num futuro próximo em que os livros são impiedosamene queimados. O conteúdo divulgado por eles não é desejado por uma ditadura. Toda ditadura tem medo de livros.

Já Farenheit 9/11, de Michel Moore, é uma alusão à data do ataque e à temperatura em que arderia a liberdade, na concepção simbólica deste poderoso documentário sobre os acontecimentos que se seguiram à derrubada das Torres Gêmeas. Este é um assunto que, por mais discutidas que sejam suas causas e consequências, permanecerá sempre com algum sentido obscuro: o governo americano sabia, antecipadamente, que haveria o ataque? O que tinha a ver o Iraque, em guerra até hoje, com aquele acontecimento? Quais as verdadeiras causas da invasão do Afeganistão e do Iraque, cujos governos, em tempos recentes, haviam sido aliados do governo americano?

As perguntas são muitas e vão permanecer, junto a outros equívocos e suspeitas, como um triste legado do segundo governo dos neoconservadores americanos. O primeiro foi o de Ronald Reagan.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

A mulher ao lado

A mulher na mesa ao lado jura que é fiel. Ela é feia. O homem que a escuta também é feio. Ela fala sem parar e o homem escuta calado. Ela diz que tem o hábito da fidelidade e afirma que é fiel a sua geladeira e ao seu micro-ondas. A meu marido, ela diz, “sou fiel até debaixo d’água”. Penso no que faria uma pessoa ser fiel a uma geladeira e a um micro-ondas ou ser fiel ao marido debaixo d’água.

Estou almoçando sozinho, tento retirar minha atenção da mesa ao lado e não consigo. Ela fala alto, a voz é desagradável, de modo que continuo a acompanhar a sua vida. Não gosta de cebola, não consegue entender por que botam cebola na salada, chama o garçon e manda que retirem a cebola da salada, diz que não sei quem do Big Brother é mau caráter, vai passar o carnaval em Araruama e sua irmã, aquela piranha, vai sair numa escola de samba.

Ela continua falando, o homem feio escuta, consigo me desligar da sua conversa pensando em outras coisas e só agora me lembrei da sua voz desagradável e me pergunto se ela estava tentando impressionar o homem sentado a sua frente. Ou se ele era o marido a quem ela era fiel até debaixo d’água.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Semana pré-carnavalesca


A cidade se agita em datas de festas. Natal e Carnaval são os picos desse entusiasmo coletivo que se mistura ao calor do verão para resultar no confuso tempo de compras e de alegria, ambas obrigatórias. Compras obrigatórias no Natal, alegria obrigatória no Carnaval. Num, o comercio festeja vendas récordes, no outro a indústria de bebidas e de outras drogas menos santas superam suas próprias previsões. A indústria de preservativos também festeja o carnaval.

Nesta semana pré-carnavalesca, o trânsito pesado reflete o estado de espírito da cidade. As pessoas saem à rua e se transformam em povo e o povo se transforma em blocos que exalam odor de suor e de cerveja. Cada bairro tem mais de um desses grandes aglomerados humanos inquietos que arrastam multidões em cortejos absurdos. O ruido produzido por um desses blocos é superior em volume ao estrondo de um trovão sobre nossa cabeça, só que não é passageiro como um trovão.

Suvaco do Cristo, Vem ni mim que sou facinha, Xupa mas não baba, Imprensa que eu gamo, Mulheres de Chico, Se não quer me dar…me empresta, Cutucano atrás, Se me der eu como, Rola preguiçosa, Que merda é essa?, Spanta neném, Berro da viuva, Eu sou eu e jacaré é bicho d’água, Bengalafumenga, Nem muda nem sai de cima, Gargalhada e do babaçu abunda e cerveja também, Bafo da onça, Bloco dos cachaças, Bagunça meu coreto, Meu bem volto já, Concentra mas não sai, Empurra que pega, Barangal e Senta que eu empurro são alguns dos comportados e barulhentos blocos que desfilam esta semana.

Evoé, Baco!

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

O banquete

Epicuro de Samos, no século IV a.C, não entendia por que o animal humano se esconde para exercer as funções excretoras e come despudoradamente em público, junto aos outros humanos. Comer é um ato social, o homem não ama comer sozinho e o faz de maneira ritual, em horas marcadas, com os mesmos gestos e da mesma forma, todos os dias, repetidamente.

Estes pensamentos me ocorreram ontem, quando fui assistir Operação Valquiria, no Shopping Botafogo, sessão das 13:30 hs. O filme é ruim, não vou comentá-lo, mas me chamou a atenção a multidão que comia na praça de alimentação, por onde se passa para ir ao cinema. Fiz, com o celular, a foto acima. Calculo algo em torno de 400 pessoas sentadas, mastigando a comida comprada em dezenas de restaurantes que circundam as mesas.

Submetidos à escravidão das horas, ruminantes apressados, a sós ou em grupos, os convivas daquele insólito banquete formavam um comportado rebanho que se alimentava em comunhão diária, dentro de um templo de consumo ruidoso e entediante.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

O velho Charles


O amigo Carlos Cordeiro me envia um filme em que Charles Aznavour canta Hier encore na companhia de duas lindas moças que participavam de um concurso de jovens cantoras. Elas o acompanham e lhe fazem coro na melancólica canção. Veja aqui.

A saudade da juventude costuma atacar os velhos e por isso é interessante e contraditório ver as duas garotas, recém saídas da adolescência, ajudá-lo a entoar a triste canção de um tempo perdido.

A juventude se esgota de maneira fugaz. Ela foi definida por Joseph Conrad, em seu conto Youth, como um instante de força e romance, algo que, enquanto lançamos um olhar ansioso para fora da vida, enquanto esperamos, já passou. Um rápido raio de sol (a flash of sunshine) sobre uma estranha praia, assim ele a descreve.

Aznavour é um artista de grande fôlego. Atuou em mais de 60 filmes e compôs 850 canções. Além do francês, criou muitas em inglês, italiano, espanhol e alemão. Sua voz de tenor muitas vezes é modulada para baixo e ele consegue o tom de um barítono. Por ter apenas 1,60mts., compensou a pequena estatura desenvolvendo uma enorme presença no palco.

Está com 85 anos e sua voz permanece poderosa. Continua a cantar.

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Frango assado com farofa


Para este fim-de-semana, segue uma inspirada receita de frango assado com farofa, prato que se encontra entre as grandes criações da cozinha brasileira.

Ingredientes: 1 frango de cerca de 1 ½ quilo; 1 limão; 1 cebola média; 100 gramas de toucinho defumado; 1 folha de louro; 1 colher de sopa de óleo; 2 ½ colheres de sopa de manteiga; 3 xícaras de chá de farinha de mesa tostadinha; 4 ovos; ½ xícara de chá de azeitonas pretas picadas; 1 colher de sopa cheia de salsa picada; sal e pimenta.

Limpe o frango, lave e tempere com caldo de limão, sal e pimenta. Escorra e recheie com ½ cebola em rodelas, a folha de louro e metade do toucinho. Cruze as patas e amarre. Dobre as asas para trás e acomode numa assadeira untada com o óleo. Besunte todo o frango com 1 colher de sopa de manteiga. Leve ao forno regular e pré-aquecido por cerca de 45 minutos. Quando começar a frigir, molhe com ½ copo de água quente e vá virando para que toste por igual, sem esquecer de regar o frango com o próprio molho. Pique o restante do toucinho e frite em 1 colher de sopa de manteiga. Misture os torresmos com ½ cebola batidinha e espere alourar. Refogue os miúdos limpos, lavados e picadinhos, até que comecem a frigir. Molhe com um copo de água e cozinhe em fogo brando até que estejam macios e quase sem molho. Prepare os ovos mexidos em ponto mole, em ½ colher de sopa de manteiga. Misture com os miúdos e com a farinha de mesa e mexa bem, em fogo brando. Desmanche o fundo da assadeira com um pouquinho de água e misture o molho à farofa, tornando a mexer bem. Por último, acrescente a salsinha. Corte o frango em pedaços grandes e arrume sobre a farofa.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Chuvas



Como as tempestades de neve nos países europeus durante o inverno e os seus periódicos cataclismos, a chuva perturba o Rio nos meses de verão. Relatos desde o século XVI trazem notícias de cíclicas enchentes e avalanches destruidoras. Os habitantes das favelas implantadas nos morros entram em pânico a cada chuva forte, pois as consequências podem ser a perda da casa onde vivem e dos bens conquistados a custa de sacrifício, sem contar o risco da própria vida.

O trágico se faz presente no Rio e em outros pontos do país, durante o verão. A natureza cobra o seu tributo pelos aterros, o entupimento dos rios assoreados pelo lixo e a ocupação desordenada das encostas.

Numa das últimas dessas grandes inundações, fiquei ilhado no Catete e me refugiei no Bar do Getúlio, em frente ao Palácio. As águas subiram, cobriram a rua e em pouco tempo chegaram quase ao nível do assento das cadeiras. Com os pés sobre a mesa, esperei a passagem das horas e a melhora do tempo.

Fiz a foto acima nessa ocasião, fazendo uso do celular. Ainda bem que o intrépido garçom continuou a servir o chope, amenizando a desagradável espera.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Belinha



Faz algum tempo, escrevi um artigo sobre gatos. Está em http://www.umacoisaeoutra.com.br/cultura/gatos.htm . Os gatos são criaturas misteriosas e belas, selvagens e gentis. Como todos os seres vivos, adoecem e morrem. E, como acontece com os homens, há um trabalho constante pela sua saúde e para evitar a morte precoce, pois a vida está sempre ameaçada pela morte.

Na semana passada, Belinha, uma gata saudável, inteligente e alegre – dedicamos um ao outro, ela e eu, grande amizade – apareceu com vômitos de sangue. Levada a uma clínica veterinária, foram diagnosticadas gastrite crônica, inflamação hepática e a presença de corpos estranhos nos intestinos. Foi recomendada uma cirurgia de urgência para a retirada desses corpos estranhos A operação não foi realizada imediatamente porque o anestesista não foi localizado. Ficou para o dia seguinte. E para o outro, quando foi mais uma vez adiada. No quarto dia, ela foi retirada da clínica e entregue aos cuidados de uma médica veterinária, que a tratou de uma forte intoxicação.

Belinha passa bem. Parece que escapou de uma perigosa intervenção cirúrgica porque o anestesista desapareceu em recantos insondáveis.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Atores



Foi Luiz Augusto Candau quem me chamou a atenção para o fato de que o ator americano só aprende mesmo a ser ator quando envelhece. Enquanto jovem, é apenas um rosto bonito ou diferente, um modelo que a indústria do cinema aproveita para seus produtos. São raros os bons atores jovens, como Marlon Brando o foi desde seu primeiro sucesso, Um bonde chamado desejo, de Elia Kazan, em 1951. Ele tinha então 27 anos.

Clint Eastwood, que foi um ator de segunda nos falsos westerns italianos, encontra-se hoje no primeiro time hollyoodiano e transformou-se num festejado diretor. Seu talento despontou com a experiência da idade.

Marilyn Monroe jamais foi reconhecida como atriz e fez um enorme esforço nesse sentido. Procurou intelectualizar-se, matriculou-se no Actors Studio e tentou dar um salto para fugir do star system, que a obrigou a fazer, sempre, o mesmo papel de loura alienada. A tragédia da sua vida pessoal interrompeu, aos 36 anos, toda a sua busca pela nobreza da profissão.

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Sonhos



Quando sonhamos, dá-se o despertar da nossa vida inconsciente. Quando conseguimos nos lembrar do que sonhamos, nem sempre a lembrança é de conteúdo lógico, que possua um desenrolar capaz de ser contado, algo que tenha começo, meio e fim. São sensações, visões e emoções encadeadas que formam estranho painel refletindo essa misteriosa vida que existe por baixo da nossa vida consciente. Não há tempo nem espaço definidos, só vivências interiores, longas e extraordinárias, que podem ocorrer durante o cochilo que dura apenas um segundo, o tempo de um cabecear, mas onde se sucedem experiências que parecem prolongadas num tempo infinito.

Parece que sonhamos durante o sono mais leve, aquele que surge logo que adormecemos e que retorna pouco antes do despertar. Do sonho do sono profundo, nada fica em nossa memória consciente. Mas desconfio que muitas das nossas reações espontâneas, os rápidos reflexos que às vezes possuimos diante da vida, muitas das resoluções que nos ocorrem diante de problemas complicados, são todos construidos pelas vivências que sonhamos, em sua linguagem irracional e fora do mundo lógico.

Penso que se todos os nossos sonhos durante o sono profundo fossem lembrados, seríamos levados a confundir a realidade com o mundo onírico. Não é isto o que ocorre com os loucos?

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Arroz de Braga



Sábado, dia de ir para a cozinha, e aqui vai bela receita do arroz que fez famosa a culinária de Braga.

Arroz de Braga

Ingredientes
2 xícaras de caldo de carne, 2 xícaras de água a ferver, 150g. de linguiça, 1 paio,100g de toucinho defumado picado, 2 colheres de óleo, 4 sobrecoxas de frango,1 cebola picada,2 xícaras de chá de arroz, ½ repolho pequeno, 1 tomate picado, sal a gosto.

Modo de fazer
Corte a linguiça e o paio em rodelas e reserve. Aqueça o óleo, frite nele o toucinho e junte o frango, fritando até ficar bem dourado. Acrescente o paio e a linguiça e frite mais um pouco. Junte o arroz previamente lavado e seco e deixe refogar durante alguns minutos. Despeje o caldo e a água a ferver e, quando levantar fervura, acrescente o repolho cortado em pedaços grandes e o tomate. Diminua o fogo e deixe cozinhar durante aproximadamente 15 minutos, até que a superfície apareça seca. Abafe a panela embrulhando-a em jornais e deixe descansar 10 minutos antes de servir.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Calor



A temperatura alta do verão carioca, a umidade do ar e o sol forte desses dias me fazem lembrar um texto de Borges que fala da humilhação do calor. Acho que é isso: o calor humilha as pessoas, a roupa se cola ao corpo e o suor desce pelo rosto, o seu e o dos passantes. Você se sente como se carregasse bolas de ferro amarradas aos tornozelos. Todos reclamam do calor, uma mulher se abana de maneira nervosa e um camelô vende leques na calçada.

Uma amiga que nasceu e vive na Europa me disse um dia que a lembrança mais forte dos dias que passou no Rio, durante um mês de fevereiro, era a de uma gota de suor que lhe escorria, permanentemente, espinha abaixo. No calor europeu do mês de junho, não há suor. A baixa umidade do ar provoca um calor seco e sufocante.

O Rio é uma cidade que vive o verão. É quando ela mostra sua face verdadeira, regurgita, festeja e, literalmente, põe o bloco na rua em desfiles carnavalescos que começam desde janeiro. De abril a setembro, a cidade hiberna, esperando estes meses quentes de praias cheias, asfalto amolecido, bares com todas as mesas ocupadas, mulheres seminuas, samba e calor humilhante.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Claro enigma



Dizem que Hipolito Irigoyen, que foi presidente da Argentina duas vezes (de 1916 a 1922 e de 1928 a 1930), reuniu a família logo depois de ter sido eleito para pedir que todos passassem a economizar e gastar menos porque, dali em diante, ele iria ganhar muito pouco na presidência da República. O salário era muito baixo.

Este episódio me ocorreu depois que li nos jornais que um ex-governador de Minas foi acusado pela ex-mulher de possuir um patrimonio que ela diz ser de R$3 bilhões e que ele próprio afirmou ser bem maior do que isso. Entre centenas de propriedades, é dono do hotel Résidences des Halles, em Paris. Ele era um homem pobre quando entrou na política.

Não conheço nenhum político brasileiro que tenha chegado pobre ao fim de um mandato. Um político ganha bem no Brasil. Como? De que forma? Os salários aqui também são baixos nos cargos públicos mas um mandato de quatro anos é capaz de amealhar uma fortuna que necessita de mais de uma geração para ser acumulada num trabalho empresarial produtivo.

Trata-se de um claro enigma.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Voyerismo



Na mesa ao lado, discutia-se o paredão e meu pensamento voltou a 1959, há cinquenta anos, portanto, quando a revolucão cubana entrou vitoriosa em Havana. Iniciaram-se os julgamentos públicos e criminosos do regime anterior foram justiçados por fuzilamento contra um largo muro. No estádio onde se davam os julgamentos, o povo gritava como se fora a torcida de um time de futebol: Paredon! Paredon! pedindo justiça rápida.

Demorou pouco para que eu percebesse que o paredão de que tratava a conversa entre quatro homens adultos era o do Big Brother, medíocre programa de televisão cujo título foi tirado de um célebre romance de George Orwell.

Nos anos 70, assisti em Nova Iorque à palestra do diretor de Mídia da Ted Bates, importante agência de publicidade que desapareceu no meio das várias fusões e incorporações ocorridas durante o processo de concentração do negócio publicitário. Não me lembro do seu nome, mas da essência da sua palestra: nos próximos anos, iríamos assistir ao fortalecimento das publicações e dos programas dirigidos ao voyerismo do público. A classe média, dizia, quer saber como vivem os ricos na intimidade e há um desejo latente na audiência em geral de acompanhar o que se passa entre quatro paredes. Ele previa um maior emburrecimento da mídia, acompanhando a alienação do público, com o sucesso de uma revista como Caras e de um programa como o Big Brother.

Os quatro homens bebiam cerveja, esta cerveja que se fabrica no Brasil com matéria prima de segunda classe, como arroz e milho, porque, dizem os fabricantes, o mercado não tem condições de pagar o preço de um produto de melhor qualidade, feito com a quantidade indicada de malte e lúpulo importados.

domingo, 1 de fevereiro de 2009

A Malvada



Bette Davis foi uma grande atriz, com 121 filmes numa carreira que durou mais de cinquenta anos. Ganhou dois Oscars de mellhor atriz, o que é pouco como reconhecimento ao seu talento. Dizem que foi ela quem batizou o premio da Academia com o nome de Oscar, inspirando-se no nome do seu primeiro marido.

Vi ontem na TV A Malvada (All about Eve), de 1950, pelo qual recebeu uma indicação para outro Oscar. Dirigida por Joseph L. Mankievicz, faz uma extraordinária performance. Mankievicz foi um dos poucos diretores americanos daquela época com liberdade para fazer um filme como A Malvada, do qual foi roteirista e diretor.

Mesmo na limitada tela de um televisor, é impossível ao espectador desgrudar os olhos dela, no papel de uma atriz madura que sofre a traição de uma aspirante a atriz que vem a tomar o seu lugar, interpretada por Anne Baxter, outra grande estrela da Hollywood dos anos 40 e 50. Também indicada para o Oscar de melhor atriz pelo mesmo filme, Baxter não chega a conseguir a mesma força de expressão da colega com quem contracena.

Bette Davis não foi uma mulher bonita. Seus olhos redondos, meio que saltando das órbitas, davam-lhe um ar de cansaço e envelhecimento. Mas esses olhos feios, que perscrutam os rostos presentes em cena e atraem a câmera, são eles que refletem a intensidade dos sentimentos interiores de Margo Channing, a personagem a quem Bette dá vida e de quem expressa a frustração, ódio, orgulho e decepção.