quinta-feira, 21 de junho de 2018

Os loucos





Os loucos olham sem surpresa para o mundo. Seus olhos miram profundamente para dentro de si mesmos e não para o mundo exterior que lhes parece ilógico e absurdo. Mergulhar no fundo da loucura faz descobrir a essência do que não conhecemos, embora seja lá onde se encontra a vida que foge quando dela nos aproximamos.

Existimos como se fossemos o sonho de um gigante adormecido. Deus. A vida seria uma ficção porque nela tudo se transforma, adormece e muda. Só os loucos têm a certeza de que certas paisagens que se revelam são sinais de outra vida, paralela a esta que vivemos, contornada por dimensões desconhecidas. E onde  habita a morte, que só existe porque existe a vida.

Andar sob a claridade e nela avistar a escuridão que toda luz traz consigo. O pensamento estanca diante de uma parede opaca impossível de atravessar mesmo na fantasia de um sonho. A realidade intercepta a possibilidade de viver além das fantasias delirantes da memória e da ilusão do presente.


quarta-feira, 13 de junho de 2018

O mergulho




A escuridão sem pontos de fuga, ventanias que acompanham todas as doenças da alma. O momento da vida em que vivências degeneram em sofrimento, batidas descompassadas de tambores idiotas a chamar para festins inexistentes. A busca da embriaguez perseguida pela lucidez que teima em não te abandonar. Chegou a hora. Partir na direção do caos.

Entender o âmago do sofrimento, iluminar a noite de sombras, mãe dos pesadelos. Freud. E segues para o mergulho. Uma criança perdida naquela escuridão sem fuga, demônios, tragédias sem sentido seguem o tempo no qual desabam sentimentos e as primeiras lágrimas da vida começam a brotar no ventre da mãe, no nevoeiro, orvalho que se transforma em granito.

Muito tempo depois o velho vira-se para o passado. Procura recordar o mergulho, entender onde e quando foi que as amarras se soltaram mas tem medo do sofrimento. Volta a cabeça, cospe, bebe e uma vez mais pretenderá enxergar os horizontes.



sexta-feira, 8 de junho de 2018

Um artista




Anthony Quinn, ator de tantos filmes em Hollywood, nasceu em Chihuahua, no México, em 1915, e morreu em Boston, em 2001. Embora naturalizado americano, não cortou os laços com a sua terra. Parece ser esta uma das angústias que perseguem os artistas. Eles sentem-se estéreis quando esquecem o lugar onde nasceram.

Pouco antes de morrer, deixou registrada a forma como imaginava seus funerais. Queria que fossem na forma tradicional dos índios do seu país. Eles não enterravam nem cremavam seus mortos.

Pediu para ser levado em procissão por seus treze filhos ao alto de uma montanha e lá fosse deixado para servir de pasto às aves de rapina. Elas comeriam seu corpo que, depois de digerido pelos pássaros, seriam espalhados pelos mais longínquos territórios do seu país. Foi uma bela declaração de amor à pátria feito por alguém que em breve ia morrer.