segunda-feira, 31 de agosto de 2009

A viagem


Viajar de metrô dá sono. A qualquer hora do dia, tem sempre alguém dormindo, mesmo numa viagem de Copacabana à Estação Carioca, que dura 15 minutos. Algo acontece no terreno onírico dos viajantes e alguns não precisam mais do que um assento desconfortável, entre dois outros passageiros, para relaxar e dormir.

Há quem durma em pé, segurando uma barra de sustentação, e quem durma de olhos abertos, olhando para o infinito, como um morto. Há um susto com um certo alarido na Estação Botafogo, para os que dormem. O embarque lá é numeroso e as pessoas entram desabaladamente, na disputa por um assento vago.

Já ví quem, dormindo, perdeu a estação de destino e teve de continuar até a próxima para retornar, depois de acordar sobressaltado. Foi o caso desse rapaz cuja foto tirei com o celular e cujo sono demonstrava seu espírito leve e despreocupado, ausente de culpas, que lhe proporcionava profunda paz. Até o momento em que despertou e, de um pulo, perceber que ficara para trás a Estação da Glória, seu destino.

sábado, 29 de agosto de 2009

Bacalhau de Caldeirada

Em 1997, a Editora Nova Fronteira publicou Cozinha do arco da velha, com textos de Odylo Costa, filho, Carlos Chagas Filho, Pedro Costa e Pedro Nava. Um belo livro. As receitas eram assinadas por Íris Lobo Chagas e Nazareth Costa.

Para hoje, a receita é o Bacalhau de Caldeirada, de Nazareth Costa. Aproveite o dia de sábado.

2 quilos de bacalhau
3 cebolas grandes
3 pimentões
3 tomates
2 quilos de batata
1 1/2 xícara de azeite

Colocar o bacalhau de molho de um dia para o outro. Arrumar na panela, em camadas alternadas, bacalhau, tomate, cebola, batata, pimentão, até encher. Regar com azeite e tampar. Levar a fogo brando até cozinhar.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Beleza


Com humor e ironia, Vinicius disse que beleza é fundamental, as feias que lhe perdoassem. A beleza é um atributo que realmente diferencia as mulheres e que muitas vezes marca sua trajetória pela vida, mas pode também ser a condição de uma existência complicada e muitas vezes trágica. Beleza e juventude estão ligadas e a juventude é muito curta. Um rápido raio de sol sobre uma praia estranha, como disse Conrad.

Envelhecer, para uma mulher muito bonita, é algo como a negação do próprio ato da existência. A decadência física que acompanha a perda da juventude passa a ser razão de desajustes, crises emocionais e solidão. Para muitas mulheres muito belas, a beleza é como uma maldição.

Acontece também com os homens que foram muito bonitos. Nem todos se comportam como Alain Delon e permanecem imaturos, agem feito crianças mimadas, perplexos diante da vida quando a invisibilidade da velhice deixa de atrair o olhar das mulheres.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Está faltando um


Sentado numa mesa de calçada, com um copo na frente e um cigarro na mão, eu o via sempre pelos botequins da Barata Ribeiro. Cabelo cortado muito curto e penteado em direção à testa para esconder a calvície. Velho, pálido quase amarelo, andava com bastante destreza na companhia da bengala que acompanhava seus passos curtos.

Era sem dúvida um boêmio das antigas, em fim de carreira. Sentava-se sempre só ou na companhia de outros três companheiros da mesma faixa de idade. Fumava, conversava e observava as mulheres. Mas a aparência denunciava que estava muito doente.

Faz semanas que não o vejo.

domingo, 23 de agosto de 2009

Pescaria


Em Arraial do Cabo, pescavamos pargos em pargueiras de doze anzóis que vinham completas. Um pargo em cada anzol. Os cardumes eram enormes, os pescadores da vila capturavam-nos em grandes redes puxadas até a praia: tainhas, olhetes, vermelhos, piruás.

No Rio Araguaia, pescávamos tucunarés arremessando a linha com caniço e molinete. Cada lance significava um peixe. Em alguns lugares mais fundos, de água parada, era preciso recolher a linha rápidamente porque as piranhas disputavam os tucunarés. Muitas vezes só conseguíamos embarcar a cabeça porque o corpo inteiro havia sido devorado no trajeto até a canoa.

Não existem mais peixes nos locais em que pescávamos. Será que fomos nós que pescamos todos os peixes que lá viviam? Creio que foram outros os predadores, os que foram buscar os peixes fora de época, capturando-os com redes finas, destruindo as ovas e matando os alevinos.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Olhando o povo


Os americanos deram o nome de people watching a este esporte praticado por desocupados de todo tipo, principalmente turistas. Consiste em sentar numa mesa de calçada de um bar numa cidade qualquer e ficar observando as pessoas que passam pela frente. Penso que o primeiro objetivo é beber e, em segundo lugar, observar a diversidade dos tipos humanos.

Não é necessário viajar para longe. Basta sentar no botequim da esquina e ficar olhando quem passa. Aqui em Copacabana existem alguns locais onde se pode praticar esta prazerosa inatividade, como o Real Chope, por exemplo, na esquina de Barata Ribeiro com Paula Freitas. No fim da tarde, há um desfile de gente variada e exótica, bela ou feia, mas na maioria interessante.

Há um ciclista que passa em velocidade, por volta das seis e meia, com um gato agarrado nas costas. O bicho parece bem à vontade, olhando a paisagem dos automóveis em sua volta, apenas crava as unhas nos ombros do dono para não cair. Um outro passeia a pé com um papagaio tranquilo e mudo. E é vária a riqueza humana de Copacabana: velhinhas animadas, vendedores, garotas da praia, profissionais de alguma coisa qualquer, travestis, todo tipo de marginal, pregadores, policiais e mendigos, músicos de rua, prostitutas e almas na procura da salvação.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Santa Rosa


Tomás Santa Rosa morreu em 1956, aos 47 anos de idade. Pouca gente fala dele, atualmente. Mas é um dos grandes artistas brasileiros, responsável por uma revolução no teatro, cujos cenários, antes dele, eram feitos com móveis emprestados pelo comércio. Ele inaugurou no país a profissão de cenógrafo.

Em 1943, quando as cortinas se abriram no Municipal e o público recebeu o impacto do cenário em três diferentes planos de Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues, com direção de Ziembinsky, todo mundo sentiu que o teatro não voltaria a ser o mesmo.

Santa Rosa foi um artista de múltiplos talentos. Além do trabalho como cenógafo, deixou uma obra única como pintor e artista gráfico. Desenhou centenas de capas de livros para a Editora José Olympio, introduziu o layout entre nós e projetou gráficamente as revistas da Bloch.

Morreu na Índia, durante uma viagem. Drummond escreveu para ele o poema A um morto na Índia, onde diz que Santa Rosa recebeu, “em Nova Délhi, um convite de Deus: pintar o ceu”.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Hemingway


Quando Hemingway suicidou-se, no verão de 1961, os mais próximos pensaram que tinha sido o desfecho inevitável para quem tivera a certeza, durante toda a vida, de que uma angústia profunda acompanha o homem do nascimento até a morte. Sua paixão pelos esportes viris, como a tourada e a caça, era uma forma de combate a essa angústia, como traduziu de maneira magistral a caricatura de David Levine que ilustra este post. O tiro final que deu em si mesmo significou a conquista do último troféu e também sua derrota.

Garcia Marquez, quando estudante em Paris, diz que certa vez descia o Boulevard Saint Michel quando o avistou do outro lado da rua. Não conseguiu conter sua admiração e gritou “mestre!” Da outra calçada, Hemingway fez um aceno em sua direção pois sabia que, no meio daquela multidão, o único mestre era ele.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Na natureza selvagem

A história de um garoto que abandona o que possúi, põe uma mochila nas costas e some no mundo em busca do Shangri-La, neste caso representado pelo Alaska, não seria novidade no cinema se não fosse por uma interpretação memorável do ator Emile Hirsch e da direção segura, em alguns momentos inspirada, de Sean Penn.

Os conflitos familiares do personagem de Na Natureza Bravia (Into the Wild) devem tê-lo feito entrar em surto esquizofrênico e trocar o próprio nome de Chris McCandless para Alexander Supertramp, enquanto empreende sua fuga da sociedade que aprendeu a desprezar. O filme, baseado num livro de John Krakauer, diz que Chris-Alexander existiu de verdade.

Este é o sétimo trabalho de Sean Penn como diretor. Ele se afirma a cada filme que dirige ou interpreta como um homem de cinema quase completo. Faltam-lhe ainda as habilidades de um Clint Eastwood que, além de dirigir e atuar, também é capaz de escrever a história, produzir, compor a trilha sonora e editar a obra que realiza.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

O Poder

Acompanhando pelos jornais a batalha política que se trava em Brasília, pode-se ter exata compreensão do que seja a luta pelo poder. Em todos os países do mundo, em todo o tempo, o desejo de ser superior e estar acima de todos tem sido o que move os homens à encarniçada luta de vida ou morte que caracteriza a política. Com a diferença, talvez, de que no Senado romano os discursos eram melhor elaborados e os oradores mais talentosos.

Embora exista consenso de que políticos roubam, penso que para eles o supremo valor é o poder, e não o dinheiro. Um deles já disse que o poder é afrodisíaco. Lacan observou que, quando sobe ao poder, o indivíduo muda o seu psiquismo e passa a se sentir superior a todos os outros.

É por isso que os políticos acabam por se julgar acima do bem e do mal.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Diversidade


Ivo mudou-se para Copacabana faz alguns meses e se diz surpreso com a diversidade do bairro. Não só de tipos e hábitos humanos mas também de serviços e produtos que se oferecem ao público. Diz que em nenhum outro canto da cidade se pode encontrar uma oficina de conserto de pino de fivela, uma loja de próteses ou um cabaré especializado em strip-tease de homens para mulheres.

Outras singularidades do bairro são uma delegacia de polícia totalmente aberta, um shopping de antiquários e uma loja com oferta promocional de mola para chaveiro mosquetão. Nunca tinha ouvido falar desse tipo de chaveiro. Pesquisei na internet. O mosquetão é esse chaveiro da foto.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Velocidade


Acabo de receber uma multa por excesso de velocidade. Estava dirigindo a 70 por hora na Via Dutra, num trecho que só permitia 60, diz a notificação.

Nossas pistas são complicadas. Os limites de velocidade mudam de repente e chegam a variações surpreendentes, que passam de 110 a 50 numa viagem de curta duração, como do Rio a Petrópolis. No Aterro do Flamengo, que tem sete quilômetros de extensão, a velocidade permitida é de 90 kms./hora, que subitamente caem para 70 ou 60. É preciso andar atento.

As fábricas produzem carros velozes, capazes de atingir quase 300 kms./hora, as estradas adaptam-se a estes automóveis e as autoridades exercem o seu poder repressivo, aumentam a arrecadação com as multas impostas e deixam os motoristas perplexos e atarantados.

sábado, 1 de agosto de 2009

Rodrigo


Só hoje, lendo o jornal, soube da morte de Rodrigo Souza Leão, há um mês. Seu enorme e diversificado talento de poeta, romancista, crítico, pintor e músico tinha muito ainda a produzir. Sua morte deixa o país mais pobre.

Não conheci Rodrigo pessoalmente mas tivemos contato. Publiquei um excelente poema dele no meu site www.umacoisaeoutra.com.br e ele fez a resenha de um dos meus livros no Balacobaco.

Era (é) um poeta de intensa criatividade e força. Seu livro de poemas O Caga-Regras é de 2009 e o romance Todos os cachorros são azuis concorre, também neste ano da sua morte, ao Premio Portugal Telecom.