domingo, 30 de dezembro de 2012

Fim de ano



A cada fim de ano o ciclo da vida recomeça nas emoções que resistiram à passagem do tempo. O calendário nos leva a refletir, lembrar algo do passado e perscrutar dúvidas, promessas e ameaças que habitam a névoa da existência.

A esperança às vezes predomina e o pensamento vagueia sobre fatos vividos, acontecimentos, algumas vitórias, decepções. Uma lembrança  desperta o sorriso e outra incomoda. A incerteza tornaria a vida mais humana? Surpreendente, desperta uma vez mais no pensamento a eterna pergunta sobre a essência das coisas.

O universo, em sua forma circular, molda de alguma maneira o sentido da vida. Há um movimento dinâmico e simbólico no qual os anos terminam e mais uma vez recomeçam caminhando na constância de um ritmo que nos conduz inelutável na direção do nosso destino. 

domingo, 23 de dezembro de 2012

Peru de Natal



Hernán Cortez descobriu esta ave nos mercados astecas, durante a conquista do México. A partir da ceia do Dia de Ação de Graças nos Estados Unidos, o peru passou a fazer parte do Natal de vários países, entre eles o nosso, onde essa tradição vem desde o século XVIII.

Em sua origem encontra-se o ritual do sacrifício de vidas aos deuses das religiões. A mesa farta do dia 24 de dezembro compensaria também as dificuldades vividas durante o ano.

O abate obedece por sua vez a uma espécie de rito. No Brasil, inicia-se com o ato de dar um gole de cachaça ao peru para que ele possa morrer descontraido e assim oferecer uma carne macia.

Meu amigo Mário recebeu da mãe a tarefa de sacrificar o peru no Natal do ano passado. Deu-lhe um gole de cachaça, tomou outro e repetiu este gesto algumas vezes. Apareceu depois com o peru vivo sob o braço. Informou a todos que aquele era seu amigo, bebia em silêncio e bem comportado. Não merecia morrer.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Ideias


 Evito falar de política porque tenho opinião ancorada em conceitos com os quais a maioria dos meus poucos amigos está em desacordo. Isto me faz defender teses indefensáveis, respeitar gente execrada pelos bem-pensantes, maldizer a direita e acreditar em teses do humanismo pagão e do iluminismo.

A busca pela verdade tem sido o maior desafio intelectual da humanidade em todos os tempos. Perseguição, morte, desespero têm sido o seu pano de fundo. As religiões não admitem dissensos, as ideologias também não. E o indivíduo, perplexo diante do mistério, abdica da própria identidade.

Mas é difícil evitar o embate das opiniões. As dúvidas são atacadas pelas certezas e a elas são submetidas nas águas em que a verdade assiste a seu próprio naufrágio. Na política, as teorias são desmentidas por sua prática, o que me leva a não morrer pelas minhas ideias, porque posso estar errado.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Marcha-lenta



Ronaldo foi um homem risonho e tranquilo, de  bela estampa, olhar agradável e tez amorenada como se vivesse o ano inteiro no verão de Cabo Frio. Seu apelido -  “marcha lenta” - ironizava a maneira sincopada que tinha de falar, onde se percebia sempre um toque de sabedoria.

A lentidão no falar tinha origem, diziam, no  hábito de fumar canabis. Mas ele costumava inventar também novas formas de beber. Um dia, apareceu com a inusitada combinação de maçã verde e champagne, que se revelou interessante a todos que experimentamos.

Trouxeram-me a notícia da sua morte no mar. O corpo foi descoberto na manhã de dezembro, indo e voltando, ritmadamente como sua fala, na altura da arrebentação das ondas da Praia Grande, em Arraial do Cabo.