segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Meditação


A mística do Oriente dá importância ao hábito de se dedicar algum tempo à meditação. O homem, animal social, desenvolveu a necessidade do permanente contato com seus semelhantes e aprendeu a depender dos outros. Desde a antiguidade existe o enunciado latino “ubi homine, ibi societas”, ou seja, onde existir o homem existirá a sociedade. 

Meditar é uma forma de se apartar e mergulhar no mundo paralelo das próprias intuições, calar-se, dedicar-se aos pensamentos e avaliar a dimensão da própria intimidade. Quanto mais profundamente nos vemos, menos há necessidade das fantasias que elaboramos para enfrentar a realidade. Passo a passo, podemos avançar, pisar leve, aproximar-nos da essência das coisas do mundo.


Ao ficarmos sozinhos, às vezes estamos em má companhia. Pois é quando a verdade aparece como um fantasma noturno. Aceitar e compreender o que a meditação traz à superfície é o caminho da sabedoria, dizem os filósofos orientais. Para isso, há que vencer as barreiras construídas pelas defesas interiores. Nem todos conseguem suportar o que se vê no espelho profundo da alma.

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Primavera


Como faz todos os anos, a primavera chegou com seu clima úmido e sua indecisão entre o frio e o calor. As estações se confundem em nosso país e muitas vezes o verão invade o inverno e um outono de chuvas atropela a primavera. Mas ela chegou, confusa, a primavera. Para nos lembrar da passagem do tempo nas estações que se sucedem e que avistamos da janela no trem da vida.

Copacabana sempre sofre a febre do verão, quando a agitação das praias acrescenta mais energia ao caos. Este ano o fervilhar dos domingos de sol parece ter se antecipado. Os meninos sem dinheiro começam a chegar da periferia em busca de espaço e marcam sua presença numa linguagem de violência e susto. O bairro tenta recusa-los e ergue barreiras de discriminação e ódio.


Como todos os anos, o calor se aproxima para construir a violenta paisagem. Os bares ficarão cheios, as mulheres semi-despidas, os turistas suados e vermelhos do sol que tanto procuram. O velho no bar em frente é o sobrevivente do grupo dos quatro velhinhos gays que se reuniam na mesma mesa, aos primeiros sinais do calor, para ver a passagem dos rapazes morenos na direção do mar que é azul na primavera.

domingo, 20 de setembro de 2015

Escrita


Escrevo. O pensamento rompe seus limites,
o pensamento se transforma
em sua própria intensidade.
Um fio toca os dedos e ameaça
desfazer-se a cada instante
como simples gotas d'água.

Um gesto era sereno e de repente
dínamos girando enlouquecidos
provocam sons e energia
retirados da náusea, do sono,
da matéria dos ventos.


Cânticos recolhem seus triunfos
no triturar de cascos de animais.
Objetos ocultam sua música
na harmonia de sentidos
para sempre adormecidos.

terça-feira, 15 de setembro de 2015

Cidades


As cidades são organismos vivos, mudam com o tempo até ficarem irreconhecíveis. Quando  voltamos, depois de prolongada ausência, é difícil reconhecer o lugar onde nascemos. A paisagem da infância desapareceu, os edifícios são outros, o trânsito complicou-se, as pessoas são estrangeiras. Para Drummond, sua Itabira tinha se transformado apenas num retrato na parede. Mas como doía.

Os novos bairros trazem nova gente, os antigos envelhecem junto com o povo que neles vive. O centro das cidades costuma também se mudar de uma região para outra e deixa velhos prédios abandonados. Os ricos cada vez mais se afastam e levam seu próprio conforto para recantos mais aprazíveis.


As mudanças no centro do Rio vão mais uma vez mudar sua paisagem. Quem voltar daqui a alguns anos não vai reconhecer as novas ruas, os novos meios de transporte, as novas construções, o mar redescoberto. Os lugares serão diferentes. A Praça Mauá, deteriorada e triste, ressurge como se fosse outra, lembrando à cidade que ela nasceu às margens de uma baía que lhe deu o nome porque pensaram que era um rio. O Rio havia esquecido a vocação do mar.

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Estações


O bairro amanhece sombrio nesses dias de típico inverno, quando o céu de chumbo saturado de nuvens cobre o tempo e molha as calçadas escorregadias. As ruas quase desertas, bares vazios, algumas poucas velhinhas arriscam-se a sair de casa para a rotina diária das compras. Copacabana hiberna, o verão ainda demora um pouco mas a primavera está próxima e anuncia com chuvas a sua chegada.

Não temos as estações do ano tão marcadas como nos países do Hemisfério Norte. Mas alguns dias de frio nos trazem a inconsciente memória de países distantes. Com exceção dos indígenas, no Brasil somos todos exilados, viemos de outras terras, trazemos no rosto a marca de origens distintas na África, na Europa, no Oriente e na Ásia.


Sob a chuva fina, uma mulher atravessa a rua, um automóvel buzina de forma estridente, uma criança corre e um cão tristonho mija no tronco de uma árvore na Praça Serzedelo Correia, onde João Antonio morreu. Há uma atmosfera vazia neste lugar onde tanta gente costuma o ano inteiro aglomerar-se nos prédios, na praia, na confusão das ruas. Copacabana mergulha no cinza das brumas, espera o calor do sol para voltar a viver a sua vida em que se misturam abandono, solidão e caos.