terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Helio Jesuino


O silêncio diante do convite para um almoço, enviado por email, me fez imaginar que algo acontecera. Ele estava sempre atento e a postos para uma boa conversa com os amigos em torno de uma boa mesa. Seu pensamento inteligente e claro, simples e profundo sempre nos conduzia a uma reflexão de onde emergíamos com a sensação de que passáramos a compreender um pouco melhor o sentido e as contradições da vida.

A notícia da sua morte chegou como costuma chegar o anúncio dos acontecimentos trágicos: de repente, com o impacto de um soco na cara. Acabo de saber que ficamos mais pobres, a arte brasileira perdeu um dos seus melhores talentos e os amigos de Helio Jesuino ficaram órfãos da sua presença inspiradora.

Seu blog ainda está lá: http://heliojesuino.wordpress.com/. Vale uma visita para ver ou lembrar quem foi e por que viveu Helio Jesuino. Tê-lo conhecido foi uma alegre e inteligente ventura. Perdê-lo me faz lamentar não ter usufruído mais da sua presença no mundo.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Profissão Mulata


O título foi extraido de um verso de Chico Buarque na letra de Bye bye Brasil - Dancei com uma dona infeliz / Que tem um tufão nos quadris. Apoiado nos depoimentos de 13 passistas de diferentes escolas de samba, Walmor Pamplona fez um filme revelando quem são na verdade essas artistas, cuja alegria muitas vezes disfarça vidas difíceis.

O cinema brasileiro parece ter descoberto o documentário como o seu melhor gênero. Nossos cineastas vêm desenvolvendo uma linguagem própria que resgata a verdade profunda muitas vezes camuflada no interior dos temas abordados.

Mulata, um tufão nos quadris segura a atenção do espectador nos seus noventa minutos reveladores da vida, sonhos, fantasias e da realidade de uma profissão que nasceu dentro da indústria do carnaval. Bailarinas que afirmam corajosamente a sua arte desafiando equívocos e preconceitos instalados desde a época da escravidão.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Bunda


O amigo afirma que bundas são como rostos, uma é sempre diferente da outra. Não existem duas iguais no mundo, até mesmo entre as gêmeas existem diferenças sutis. E, como fazem os rostos, têm expressão própria no corpo da mulher quando se movimentam no ritmo do andar. Podem transmitir alegria e até mesmo certa tristeza na forma de se mover ao dançar frenética ou caminhar desoladamente.

Podem ser finas, magras ou calipígias. As mulheres brancas costumam apresentar o formato de pera, as negras uma forma de maçã e entre esses tipos as variações são infinitas e nunca se repetem.

Drummond talvez tenha sido quem melhor entendeu essas nuances:

Lá vai sorrindo a bunda. Vai feliz
na carícia de ser e balançar.
Esferas harmoniosas sobre o caos.
A bunda é a bunda,
redunda .

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Samba, tango e o Lloyd



Das dez linhas internacionais do Lloyd Brasileiro, companhia de navegação que existiu de 1890 até 1997, a mais importante era a que ligava Rio-Santos-Montevidéu-Buenos Aires. Transportava carga e passageiros mas fazia no paralelo outro tipo de comércio - o de levar e trazer palavras entre as línguas faladas na beira dos cáis daquelas cidades.

Bacana, afanar, engrupir, farra, gavião (gavión), mina, michê, otario, paco, pinta, punga, calote, barulho (barullo), rolo, tamanco (tamango), pedregulho (pedregullo), cafúa, lobizón (lobisomem), fulo, catinga, tira, achacador, bobo (relógio), burro, campana, despelotado, embolar, engaiolado, engrupir, entregar (delatar), esbornia, escrachado, fachada (cara), fulera, gagá, gigolô, guri, labia, macanudo, malandro, mamado, mancada, masoca, pirar (ir-se), são algumas das centenas de palavras que existem tanto na gíria brasileira quanto no lunfardo do Rio da Prata.

A língua dos marinheiros, prostitutas, gigolôs e malandros dos três países foi enriquecida nessa troca. E ganhou mais força de expressão quando saiu do bas-fond e passou para o vocabulário do samba e do tango, ritmos também marginais que, com o tempo, foram legitimados como expressões culturais e acabaram por penetrar nos salões da melhor sociedade.