quarta-feira, 31 de julho de 2013

A rotina

Aos poucos, Copacabana retoma sua rotina e é devolvida a seus habitantes. Passou o furacão religioso. O trânsito volta a sua loucura habitual e as ruas, que ficaram por quase uma semana vazias de automóveis e cheias de gente, exalam mais uma vez o seu cheiro de gás carbônico.

De manhã bem cedo, Marquinhos, o maluco da vizinhança, passou em passos rápidos, quase correndo, recitando em seu linguajar confuso algo sobre a vida, como se desse conselhos a alguém imaginário. Pequenos grupos de peregrinos estrangeiros ainda estão por aí tentando usufruir de uma réstea de sol neste inverno frio.

O homem que bebe cerveja estava novamente a postos no botequim, às sete horas da manhã. Olhava os passantes. Um dos quatro velhinhos gays passava com uma bolsa enorme na direção do supermercado e os jogadores de dama da praça Campos da Paz começavam suas partidas que vão até à noite. Os bares lavam o chão, desmontam-se os palcos que serviram aos rituais do Papa.


segunda-feira, 29 de julho de 2013

A palavra esperança

A palavra mais pronunciada pelo Papa foi esperança. Chefe supremo de uma Igreja em crise, seu discurso procurou também reforçar as energias de um mundo em colapso. Ele próprio contestado, pelo papel que teria desempenhado como cardeal na recente história argentina, enfatizou a necessidade do resgate dos valores morais de um universo em decadência.

E colocou os jovens e as crianças como protagonistas do grande evento, numa estratégia de marketing da sua igreja que aposta no futuro para resgatar a influência do catolicismo no mundo, que já foi absoluta no passado. Hoje, perde seguidores no Brasil e em outros países para seitas evangélicas. O mega-espetáculo dessa Jornada deverá trazer muitas ovelhas de volta ao rebanho. As religiões cada vez mais apelam para o espetáculo na pregação de seus evangelhos.

Copacabana, eleita como palco do evento, suportou o impacto adicional de três milhões de pessoas em suas ruas. O trânsito caótico deu lugar a espaços vazios de automóveis e cheios de peregrinos. Os esgotos entupiram, a maré subiu, os camelôs festejaram vendas.

Viu-se, também, uma diferença entre o Papa e outros pastores que ocupam programas de televisão: ele não pede dinheiro em suas homílias.


sábado, 27 de julho de 2013

A batalha

No mundo inteiro, o poder dominante assusta-se com a internet. Pela primeira vez, outras forças exercem sobre a sociedade um tipo de influência política que a democracia clássica jamais havia proporcionado antes: rápida, mobilizadora e até mesmo transformadora.

Este é a razão de todos os governos, em todo o mundo, tentarem dominar este território que até agora conseguiu sobreviver com certa liberdade e alguma anarquia.  O poder é inimigo da liberdade e até agora não sabemos como será o desfecho da contradição que dispõe de um lado a força avassaladora das classes dominantes e de outro este poder mobilizador que a contraria.

Não há dúvida de que o poder econômico já domou parte da internet desde os tempos em que ela servia apenas ao mundo acadêmico. Os grandes grupos descobriram um novo campo gerador de lucros. Mas ainda restam brechas. O poder político pressiona para ocupá-las e as forças contraditórias já tomaram posição de combate: de um lado, o Poder - político e econômico - e, de outro, o impulso que conduz a humanidade à eterna luta pelo direito de contestar e de livremente expressar seus pensamentos.


quinta-feira, 25 de julho de 2013

Sopro

Há muitos anos, havia um campo muito largo, muito verde, numa região que era distante porque só existia na imaginação do sonho adolescente. Não existe nada mais longínquo do que a matéria dos sonhos. E tão confuso como o imaginar que se desprende da realidade cercada de angústia e ansiedade turvando o olhar que mira na direção do destino.

A aventura intensa da vida não se dá apenas nas emoções. Existem as coisas que nada valem e significam ilusões. Essas que mantêm os homens vivos, inquietos e atentos diante do que parece infinito mas que se exaure no sopro do vento.


O pensamento de uma criança incapaz de falar ou o meditar de um velho que esqueceu quase tudo significam sempre a mesma volta da vida em torno de si mesma. Vicissitudes, ausências, silêncio que procura decifrar mensagens de um mundo absurdo que envolve, ilude e não explica.

domingo, 21 de julho de 2013

Política


Neste espaço evito falar de política porque prefiro o olhar sobre o que é humano e não me é estranho. Concentro-me no meu bairro, num espaço ainda menor, demarcado por poucas ruas e alguns botequins onde vou para beber, refletir e procurar entender o mundo e o tempo contraditório em que vivemos.  Mas as manifestações políticas que agitam o país desde junho, e dizem que não são políticas, surpreendem porque negam a si mesmas. Há muito não havia tanta agitação política.

A diversidade de temas, exigências, reivindicações, acusações e gritos dessas passeatas me levam a pensar sobre a origem dessa inquietação. A internet, que concentra as conquistas das grandes mudanças provocadas pela tecnologia, está desorganizando o pensamento doutrinário que o establishment de todos os países via como se fosse a organização ideal da sociedade.

Na longa e dolorosa viagem do homem em busca do conhecimento, a invenção do tipo móvel, por Gutemberg, há  quase seiscentos anos, foi um salto tecnológico que mudou o mundo. Seu impacto conduziu, muitos anos depois, ao iluminismo do século XVIII, o século das revoluções.
Agora, estamos novamente vivendo um tempo de mudanças e um novo salto tecnológico traz consigo impactos revolucionários. Muita água vai rolar. Só não sabemos - ainda - em qual direção.


quinta-feira, 18 de julho de 2013

Esperando o Papa

Eles já chegaram, os peregrinos brasileiros, e estão espalhados pelo bairro. Diferentes dos turistas do verão, que são muito brancos, muito louros, avermelhados de sol. Estes que chegam agora possuem tez diferente. São morenos, feições mestiças da raça brasileira mas com a mesma curiosidade sobre o bairro famoso, falsamente rico e cosmopolita em grande parte do ano.

No metrô, fotografam as escadas e os tapetes rolantes e uns aos outros, sempre em grupos alegres, excitados. Alguns cantam em coro músicas que nunca ouvi. Reconhecíveis à distância, diferenciam-se por uma maneira simples no vestir e que transmite a impressão de um estilo meio por fora da moda do momento.


Entre os turistas louros que vêm em busca do sol do verão e estes que esperam o Papa no inverno, há em comum o gosto pelas sandálias de dedo. Uns são alegres e gregários, ruidosos e curiosos. Os outros, os louros e muito brancos, são solitários, andam em pequenos grupos. Sóbrios e calados, expandem certa alegria quando estão juntos, sentados, bebendo cerveja nos bares que ocupam as calçadas de Copacabana.