sábado, 28 de agosto de 2010

Mulheres


Tive um amigo a quem causava certa surpresa o modo das mulheres do Rio. Dizia que elas desfilam com tal auto-confiança que até as feias de cara e corpo se comportam como divas e andam como rainhas da rua. Porte altivo e bunda arrebitada, dizia, é a marca da mulher carioca, cujo caminhar pelas calçadas é como se estivesse se exibindo para admiradores deslumbrados com sua beleza.

As mulheres que consideramos feias, em seu modo de ver, são apenas as tristes e deprimidas, porque se entregam a emoções sombrias e isto se reflete no semblante e no modo de andar. E algumas que vemos como muito bonitas, senhoras de si mesmas, talvez não resistissem a um observação feita com frio distanciamento crítico.

Há verdade no que dizia. Elas se comportam como se todas fossem belas, embora tão poucas o sejam. Parece existir, no entanto, uma forma de olhar para dentro de si mesmas que se reflete no porte e na atitude. Um tipo de beleza que se origina na auto-estima das mulheres desta cidade.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Grades


O medo acompanha os habitantes da cidade porque a violência ameaça cada vez mais perto. Os condomínios buscam proteção por câmeras encarregadas de vigiar a vizinhança. Algumas são falsas câmeras, mais baratas, com o objetivo de apenas intimidar. Junto com as grades, instaladas em todos os edifícios, elas transmitem uma fraca sensação de segurança e paz, pois os jornais noticiam assaltos, praticados por atacado, em vários apartamentos numa mesma ação.

As grades de Copacabana começam a exibir algum estilo, como se as pessoas procurassem transmitir uma certa visão estética diante de um pesadelo. O amigo José Alberto, que mora em Belo Horizonte, foi quem me chamou a atenção. Seu olhar descobriu formas diferentes, desenhos originais e traços diferenciados nas grades aqui do bairro.

Da mesma maneira como a cada dia mais nos acostumamos a conviver com a violência da cidade, vamos também perdendo a capacidade de descobrir o belo nas coisas simples que simbolizam o nosso modo de ser prisioneiros.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Prostíbulos

A velha profissão sofreu um baque com o fechamento da Help mas outros supermercados do sexo se espalham nas ruas, termas e boates de Copacabana. De noite, a Avenida Atlântica continua no comando do trotoir feminino e masculino, embora estas noites de frio tenham prejudicado o movimento. A pouca roupa necessária à exibição do corpo inviabiliza a amostra mas dá uma chance maior às mais feias ou muito magras, que podem assim disfarçar a desvantagem na concorrência com as mais exuberantes.

As jovens expulsas da Help foram para a rua enfrentar o frio. Penso que são poucas as que puderam ser aproveitadas nas arenas de alto luxo como La Cicciolina ou Scotch Bar, a maioria ficou mesmo nas calçadas.

Existem mulheres – e homens – à venda em locais muito caros ou muito baratos, em qualquer faixa de preço. Todos jóvens. O garçon de um botequim certa vez observou que não existem mais prostitutas velhas como antigamente, porque hoje as drogas tiram delas a chance de envelhecer.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Discépolo


O pessimismo cético de Enrique Santos Discépolo pode ser resumido nos versos que escreveu em um dos grandes tangos que compôs, “Qué vachaché”: o verdadeiro amor se afogou na sopa, a pança é a rainha e o dinheiro é Deus. Talvez nenhum outro compositor tenha melhor representado a alma argentina do que este artista versátil, misto de ator, diretor e músico que definiu o século 20 em que viveu como um cambalache.

Discépolo é o maior poeta popular argentino. Deixou sua marca na música do seu país, pois todos os outros compositores que vieram depois dele foram de uma maneira ou de outra influenciados pela sua maneira de ver o mundo:

Verás que todo es mentira,
verás que nada es amor,
que al mundo nada le importa...

A interpretação de Gardel em 1930 para Yira, Yira, de onde tirei estes versos, é um dos grandes momentos da história do tango.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Fausto


A primeira vez em que percebi a sua presença foi num restaurante chinês que existiu na rua Bolívar. Escutei uma voz poderosa e alta dizer “Karl Marx era veado!” e me virei para olhar. Tratava-se de um sujeito muito grande, na companhia de uma loura muito bonita, a quem certamente queria impressionar.

Depois nos aproximamos por intermédio de um amigo em comum. Conhecí os seus livros, acompanhei suas crônicas nos jornais em que escreveu. Bebíamos juntos, de vez em quando. Discutíamos sempre porque eu era incapaz de acompanhar seu pensamento que contestava tudo.

Foi um dos maiores talentos da nossa geração. Nunca aceitou as coisas da forma como lhe foram apresentadas. Talvez tivesse vindo ao mundo para contradizer e agitar o marasmo medíocre que nos ameaça a todos numa vida devagar. Ele é um dos que fazem falta.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

O Morro do Inhangá


Do branco areal do século XIX sobrou uma praia em forma de tripa que já não é tão branca. Cercada de morros, Copacabana abriga as contradições de um país contraditório. Na Avenida Atlântica, os ricos escutam o barulho do mar enquanto os pobres se espremem nas favelas dos morros dos Cabritos, São João e Santa Marta, os que se avistam daqui do Morro do Inhangá.

O Inhangá tinha antes uma enorme pedreira que foi demolida para abrir a Nossa Senhora de Copacabana e construirem o Edifício Chopin, ao lado do Copacabana Palace. O morro permanece, escondido por uma cerca de edifícios.

O quadro que ilustra a postagem é de Luiz Christophe, um artista de talento que nasceu no Rio, em 1863, e morreu em data desconhecida, depois de ficar cego e se retirado da vida artística. É a paisagem do Leme olhada da perspectiva do Morro do Inhangá. Dizem que a palavra Inganhá vem do tupi-guarani Anhangá e significa espírito ruim. Era em cima da pedra que os raios caiam durante as tempestades.

sábado, 7 de agosto de 2010

Na fila dos idosos


A velha senhora se dirige à outra e reclama de ver escrito no cartaz que aquela fila é para pessoas da melhor idade. Melhor em que? pergunta ela, pois a fila é longa e demorada. Um senhor de cabelos brancos e tez queimada de sol, de ar altivo, também reclama. Os amigos estão lhe esperando na praia para o jogo de peteca e a fila não anda.

Lá adiante, um outro identifica a causa de tanta demora: uma velhinha esqueceu de comprar dez pães que o filho encomendara, pediu para o caixa esperar e foi buscá-los no fundo do supermercado, onde fica a padaria.

A senhora que reclamou do slogan da melhor idade diz com ar pensativo que as outras filas, nos outros caixas, estão mais longas. E comenta que nelas estão muitos idosos que evitam a caixa preferencial e preferem esperar nas outras, mais demoradas, pois não acreditam que estejam vivendo a melhor das idades.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Andar por andar somente


Suas roupas são limpas e pobres, ela não se veste como as mulheres da sua idade, em Copacabana, que se vêem como jovens e desfilam em apertadas roupas esportivas. Seu cabelo é grisalho e não pintado de louro, como é costume por aqui. Nem sua pele é queimada pelo sol do último verão e agora, no inverno, começa a adquirir um tom meio acinzentado.

Ela também não se pinta em cores vermelhas. Passaria praticamente despercebida, em sua tonalidade de vestes escuras. Não teria chamado a atenção se não caminhasse todas as tardes, em volta do mesmo quarteirão, todos os dias: o quadrilátero formado por Barata Ribeiro, Paula Freitas, Nossa Senhora de Copacabana, República do Peru e novamente Barata Ribeiro, continuadamente.

Fuma sem parar, olha sempre para o chão. Alheia ao movimento das ruas, às pessoas que passam a seu lado, ao trânsito louco do fim do dia.

domingo, 1 de agosto de 2010

Pandora


Pandora, a primeira mulher, foi enviada por Zeus para casar-se com o titã Epimeteu, a quem desejava punir. Levou com ela de presente para o marido uma caixa que continha as maldades que os homens até então desconheciam.

A velhice, a doença, a tristeza, a loucura, o vício e a fome estavam dentro da caixa que Pandora, curiosa, acabou por abrir, espalhando no mundo todo o seu conteúdo.

A caixa de Pandora trazia também algo diferente dos males do mundo, colocada pelos deuses – a esperança. Ava Gardner, outro mito, mais bela do que nunca, interpretou uma misteriosa Pandora. Encontrei aqui uma cena do filme.