sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Panfletos



Entre a Constante Ramos e a Paula Freitas, enquanto ando pela Nossa Senhora de Copacabana, recolho trinta e dois panfletos diferentes das mãos de trinta e dois homens, mulheres e adolescentes. Neste subemprego, eles passam o dia tentando enfiar nas mãos de quem passa o recado publicitário de quem os conttratou. Pouca gente aceita receber, alguns recusam com impaciência.

A maioria dos panfletos é patrocinada por comerciantes de ouro e jóias, anunciando a compra pelo melhor preço. Alguns prometem cobrir qualquer oferta, outros advertem contra as avaliações enganosas dos concorrentes.

Mãe Cecilia de Bessem, que anuncia consultório com buzios e cartas na Marques de Abrantes, promete mais do que o valor material que ouro e joias podem proporcionar. Ela pede para não ser confundida com outras porque tem 50 anos de Santo.  E vende felicidade, simplesmente.  Seu panfleto, distribuido por um garoto magro e triste, garante ainda a conquista da pessoa amada em 3 dias. E você pode amarrrar a quem ama por 7, 14 ou 21 anos.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Depois do carnaval



Às seis e meia da manhã, o termômetro marca 31 graus anunciando mais um dia de calor humilhante. Ao lado do calçadão, debaixo dos pequenos coqueirais, grupos de moradores de rua começam a despertar e arrumar seus apetrechos miseráveis. Espalha-se no ar o adocicado aroma de maconha, duas moças que caminhavam têm medo e se afastam.

Num dos bancos, três meninos cheiram cola, outros três caminham vagarosamente em seu passeio matinal de rapinagem. Focam o olhar nos turistas – fáceis de reconhecer – e um deles olha com atenção para os tênis dos atletas do calçadão.

Copacabana, como sempre, não está incluida entre as praias impróprias ao banho de mar, ao contrário de Flamengo, Botafogo, Urca, Ipanema, Leblon, Vidigal, Pepino, São Conrado, Barra e Pontal. Todas vetadas por causa da poluição de sempre mais a que foi deixada pelo carnaval.

A areia está suja, há muito lixo. O dia está claro, vento de noroeste entre 5 e 25 quilômetros, ondas de meio metro, lua em crescente, a sensação térmica de hoje vai bater os 45 graus, é o que dizem as previsões.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Enquanto vai o tempo


A imagem de tempos passados traz diante de nós o espaço fugidio no qual todas as coisas acontecem. Nada permanece e o que foi não será de novo. Tudo muda e envelhece e se renova e isto é sem cura, dizia o poeta Sá de Miranda no ano distante de 1500, quando tudo mudava com as grandes navegações e a descoberta de novos mundos.

A passagem do tempo e a fuga dos anos escorrem como água no leito dos rios. O que foi feito da beleza de Debra Paget, aquela bonita adolescente morena e doce dos anos 50? Vi, outro dia, a entrevista de uma velha senhora que dizia ser ela e com ela compartilhava a mesma biografia.

Os tempos morrem, como as pessoas. A cada ano uma sucessão de estranhas vivências se acumulam de modo a não permitir que você se reconheça nos episódios dos anos passados. Foram eles realmente vividos por você ou por alguém que você não conhece e pode ou não ser você?

domingo, 10 de fevereiro de 2013

Maria


Os bares têm alma e personalidade. Elas se juntam para criar o clima que os faz se transformarem no sentimento de propriedade dos seus frequentadores. Ernest Hemingway participou da libertação de Paris no exército dos partisans do General Leclerc mas afirmou que seu único interesse era a libertação do bar do Hotel Ritz, que ele amava.

O dono, às vezes um determinado garçon, a clientela, o tipo e a qualidade da bebida e da comida, tudo se junta para criar o clima que faz um botequim ser amado pelos seus habitués. É o seu maior capital, seu patrimônio imaterial .

E há o serviço, a atenção para com os clientes, que muitas vezes se liga ao talento de uma determinada pessoa, como é o caso de Maria, que comanda com energia o atendimento do Real Chope, em Copacabana. Ela treina, supervisiona os garçons e se veste para as grandes datas, como o faz neste carnaval.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

A palavra impossível


Drummond, um homem calmo, introspectivo e tristonho, teve intuição de como funcionava a máquina do mundo enquanto caminhava pelas estradas ermas e solitárias de Minas. Algo que não compreendemos e nos acompanha, conduz nossos sentimentos e ações, dirige o que fazemos mas não nos induz a evitar o que não fazer.

O conflito e a miséria dos acontecimentos do mundo são algo que procuramos compreender mas deles só escutamos um eco distante sempre renovado.

Outro poeta, Bilac, tão injustiçado pelo modernismo, deixou enunciadas umas poucas perguntas que as palavras são incapazes de responder: e a ira muda? E o desespero mudo? E as palavras de amor que morrem na garganta?

sábado, 2 de fevereiro de 2013

Contradições


A moça que foi torturada está hoje no centro do Poder. Simboliza que a injustiça, a morte da inteligência e a morte pura e simples como política de Estado sairam por enquanto da cena da nossa História. Até quando, não podemos saber, porque a violência nos espreita em cada esquina e as opiniões estão sempre em choque.

Mas gosto de ver. A reviravolta aconteceu, os que foram banidos voltaram e estão agora procurando defender o que conquistaram, sitiados pelo atraso das mentalidades e de uma ideologia que  o promove. As contradições humanas ganham dimensão épica quando se transferem para a política.

O poder corrompe e a corrupção promove o atraso, a injustiça e uma criminosa ambição de enriquecer rapidamente. A falência da humanidade tal como foi imaginada pelos humanistas. Mas há um certo suspiro de alívio diante do que vivemos no passado recente e do que vivemos agora.