domingo, 29 de maio de 2011

Luis Sérgio


A notícia da sua morte, ontem, foi um choque como costumam ser os acontecimentos trágicos. Há alguns anos publiquei alguns dos seus fotopoemas em Uma coisa e outra, uma pequena amostra da sua obra, de lirismo envolvente e grande beleza.


Luis Sérgio dos Santos, médico de profissão e poeta na essência da sua alma generosa, foi traído pelo coração. Nos últimos meses, dedicava-se a organizar uma antologia de poetas contemporâneos, com o entusiasmo que era um traço do seu caráter.

Nunca nos conhecemos pessoalmente. O gosto pela literatura e a internet nos aproximaram em um relacionamento cordial. Sua obra permanece, seu trabalho dará frutos. Mas o melhor se perdeu.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Larões de Cemitérios


A conversa derivou para a morte, destino comum de todos os viventes e que levou Miguel de Unamuno a escrever “toda vida ao final é um fracasso”. E daí alguém lembrou a existência dos ladrões de cemitério.

Existem três tipos de roubos que são praticados contra os mortos. O mais comum é o roubo das flores, logo depois do enterro, quando a família e os amigos se retiram. O morto, deixado na solidão absoluta, não precisa de flores e elas ainda estão frescas e custam caro no mercado da morte.

Outro tipo é o roubo do caixão, um ítem de valor deixado para alguém que não precisa de mais nada e que pode ser revendido para acomodar outro morto. E finalmente o assalto ao próprio cadáver para a retirada das próteses dentárias de algum valor. O homem é o lobo do homem, os romanos diziam antigamente.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Arruda


Arruda faz parte do pequeno exército de seguranças de rua com a missão de garantir alguma tranquilidade nos botequins de Copacabana com mesas de calçada. Antes, no colete preto que eles usam como uniforme, estava escrito Segurança mas parece ter havido uma proibição da Secretaria de Segurança e a palavra foi substituida por Apoio.

O trabalho deles consiste em ostentar a vigilância do quarteirão e afastar mendigos e pequenos vendedores que assediam a freguesia. A maioria é de PMs aposentados que fazem uma melhoria de renda. Exibem o rosto fechado e um porte condizente com a importância conferida por um certo poder de polícia.

Não é bem o caso do Arruda, responsável por um quarteirão da Barata Ribeiro. Ele ri o tempo todo, cumprimenta os clientes, ajuda os velhos na travessia da rua e dá jeito de conseguir no botequim alguma comida para um ou outro mendigo. Diz que sabe reconhecer, olho no olho, quem está mentindo e quem passa fome de verdade.

sábado, 7 de maio de 2011

O Relato de Prócula


Uma instigante e nova interpretação da vida de Jesus, descoberta num documento produzido por Prócula, mulher de Poncio Pilatos, é o leit-motiv do último livro de WJ Solha, mas o seu interesse não reside apenas nessa revelação. Um painel amplo de temas entrelaçados conquista o leitor até o desfecho surpreendente, valorizado pelo virtuosismo de um escritor que domina a sua técnica e sabe contar uma história.

Cinéfilo declarado, Solha homenageia uma infinidade de clássicos da história do cinema e escreve também, com este romance, um roteiro quase pronto para o que pode se transformar num belo filme.

O escritor, embora paulista, vive há muitos anos na Paraiba. Com amor e sensibilidade, incorporou a cultura nordestina no que ela tem de criatividade, singularidade e riqueza. O Relato de Prócula prova também, como notou Clemente Rosas numa resenha do livro, que, vivendo longe do circúito sulista de auto-promoção e mais fácil penetração na grande mídia, WJ Solha é menos conhecido do que merece a qualidade da sua obra.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Paris, anos 20


Os anos vinte e os anos sessenta do século passado foram dois períodos que despertaram coisas novas na cabeça das pessoas, mudaram comportamentos e transformaram o mundo. Os sessenta foram marcados pelo movimento hippie, a libertação feminina e o impacto dos baby-boomers. Os anos entre 1920 e 1930 foram, no entanto, mais criativos.

Por esse tempo, atraidos pelo baixo valor do franco e o alto valor do dólar, entre as duas guerras, chegou a Paris uma leva de americanos que se aliou à vanguarda local e juntos mudaram o que veio depois deles na literatura, na música e nas artes. Hemingway, Cocteau, Picasso, Dali, Fitzgerald, Joyce, John dos Passos, Stravinsk, Prokofiev, Tristan Tzara, o surrealismo e o dadaismo, fizeram uma mistura de inteligência e talento verdadeiramente revolucionária.

Sem um tostão no bolso, às vezes tendo de caçar pombos com uma atiradeira nos Jardins de Luxemburgo para garantir o jantar, Hemingway, já velho, no apogeu do sucesso como escritor, recordava aquele tempo quando, como escreveu em Paris é uma festa , era muito pobre mas também muito feliz.