Nenhum sinal de nuvem no céu azul que se
espalha no claro universo destas manhãs. Ontem foi dia das janeiradas e os
grupos de cantores surgiram nas ruas espalhando as esperanças de um novo ano
que se inicia. Passam as pessoas agasalhadas de um frio intenso, seco,
penetrante e limpo. São poucos os passantes, pois a maioria prefere permanecer no
interior dos edifícios.
A cidade parece continuar no sono da noite,
a recusar o dia claro, a olhar para dentro de si mesma. No ar paira um desejo
de descobertas, pois um novo ano traz consigo expectativas, curiosidade e
esperanças. Procuro esquecer a tragédia política que ocorre no meu país.
Olho para o céu limpo, a rua quase vazia traz
pensamentos confusos, correntes de angústia misturadas a certas formas difusas de
alegria. O pensamento se distancia e a memória trabalha em coisas antigas e sem
sentido. Vem de repente a lembrança dos meus mortos, a consciência de que tudo
o que foi vivido não passou da fantasia de um sonho enlouquecido, “cheio de som
e de fúria, sem qualquer significado”.