domingo, 23 de outubro de 2011

Belinha

Ela foi uma gata de rua, arisca e ligeira, cliente das latas de lixo, caçadora de ratos. Adotada, acostumou-se ao apartamento mas não perdeu o instinto. Expulsou os pombos que ocupavam o terraço e permanece atenta ao cochilo dos pássaros de Copacabana. Ela é capaz de pegá-los em pleno vôo.

A lembrança da fome a persegue e se revela no apetite voraz e na adoração por comida. Embora tranquila, não suporta ser agarrada ou obrigada a ficar no colo. O gato foi o último animal que o homem domesticou e guarda muito do caráter dos felinos selvagens.

Carlindo Costa, fotógrafo, capturou seu olhar sereno mas atento, capaz de acompanhar qualquer movimento que se faça em sua volta. A posição de repouso em que se encontra mostra simpatia pela pessoa que a está encarando mas revela antes de tudo a confiança que tem em si mesma.

sábado, 15 de outubro de 2011

Protestos


Os protestos que ocupam as praças pelo mundo afora trazem uma novidade. Não se trata apenas do uso da internet, como querem os jornais, preocupados mais com o meio do que com a mensagem.

Pela primeira vez, a polícia e a repressão não sabem a quem culpar pelo que possam chamar desordem. Os comunistas perderam a força, as esquerdas se dividem, a União Soviética decepcionou como modelo e não existe mais.

Os que protestam no coração do capitalismo chamam a atenção para a falência desse outro modelo. Mostram também como são destituidas de sentido as pequenas marchas no Brasil contra a corrupção. Num discurso em Wall Street, o inquieto filósofo Slavoj Žižek apontou com precisão que o problema não é a corrupção, mas o sistema.

domingo, 9 de outubro de 2011

Mendigos


Muito magro, o torso quase da espessura da perna atrofiada, ele pede dinheiro na Barata Ribeiro apoiado numa muleta e num pequeno bastão. Um outro estende a mão na esquina da República do Peru, muito sujo, portador de uma doença revelada pela extrema palidez em todo o seu corpo.

Na porta do metrô, uma mulher se dirige a quem passa para pedir que lhe paguem o valor da passagem e no sinal de trânsito um outro aborda os motoristas sentado numa velha cadeira de rodas. Um outro divide com ele a rua. Paralisado cerebral, percorre os corredores do trânsito congestionado num andar dançante, quase cômico.

Eles são muitos, de vez em quando desaparecem, talvez recolhidos pelos serviços sociais da Prefeitura. Mas sempre retornam para avivar no bairro a consciência da miséria humana e talvez despertar a má consciência nos que bebem nos bares ou passam em direção à praia.

domingo, 2 de outubro de 2011

Beija-flores


Descortinando a flor entre o som de buzinas, a fumaça dos escapamentos e a poeira do dia de Copacabana, eles costumam aparecer sem aviso. Há quem disponha bebedouros nas janelas, uma mistura de água e açúcar que, dizem os cientistas, acaba por exterminar a espécie pela descalcificação da casca dos ovos.

São tipos diferentes, de corpo e plumagem diversa, alguns mais agressivos, outros mais pacientes. A rapidez do vôo e a beleza dos movimentos pouco revelam da luta feroz que travam entre si pela mesma flor.

Quando parecem descansar, estão na verdade vigiando o território conquistado contra a ameaça de invasores. Mas é por um momento muito breve, como este da bela foto obtida por Marco Paganini num jardim da California.