quinta-feira, 31 de março de 2011

Animais de estimação


O pequeno poodle, inteiramente molhado, treme sob o chuveiro da mangueira operada pela moça da loja de animais. Sairá com o pelo enxuto, perfumado e aliviado do sofrimento que passou no corte do pelo e na tortura do banho. Sua dona, uma mulher de ar deprimido, aguarda o final do tratamento enquanto passeia pela loja e compra comida para o poodle.

Do lado de fora, enquanto olha para a vitrine, uma mulher negra protesta em voz baixa e diz que Copacabana tem tantos mendigos sujos e famintos enquanto aquele cão recebe tantos cuidados.

Ouço e penso que a miséria dos mendigos do bairro não consola a mulher deprimida que compra comida para o cão. Talvez desperte sua compaixão. Mas a solidão vivida nos pequenos apartamentos explica tanto amor pelos bichos e a existência de tantas lojas especializadas no luxo dos animais de estimação.

sexta-feira, 25 de março de 2011

Previsão do tempo


Um outono envergonhado veio amenizar o calor do verão mas o sol ainda fornece alegria a quem não dispensa a praia. Os vagões do metrô continuam a despejar os banhistas que vêm do subúrbio para Copacabana pelo caminho mais curto criado pelo acesso direto da Linha 2. O movimento é apenas pouco menor que o do verão e as chuvas anunciadas devem ter estacionado no Rio Grande do Sul, quando não escapam para São Paulo.

Os meteorologistas do nosso Hemisfério dificilmente acertam em seus palpites, que esbarram na inconstãncia do tempo ao Sul do globo terrestre. Enquanto ao Norte as estações do ano são bem definidas e as condições do clima apresentam-se previsíveis e imutáveis, possibilitando saber o tempo que vai fazer com grande antecedência, por aqui o regime de ventos e o caminho das núvens mudam a cada instante.

No Brasil, o único boletim meteorológico em que se podia realmente confiar era o da Rádio Tabajara de João Pessoa, que contemplava todas as hipóteses: “tempo bom com nebulosidades, sujeito a chuvas e trovoadas”.

terça-feira, 22 de março de 2011

Manhã cedo


Os botequins da Barata Ribeiro e os quiosques da praia abrem muito cedo, alguns sequer chegam a fechar. As boates e clubes noturnos atravessam a madrugada. Às primeiras horas, Copacabana mostra seus contrastes. Nos bares das calçadas, alguns tomam o café da manhã e outros bebem cerveja após a noite movida a outros prazeres menos inocentes.

A paisagem humana é diversa. Há os que se preparam para o trabalho no desjejum de café com leite, pão e manteiga. Dividem o bar com os boêmios que vêm da véspera e as moças de programa despejadas na rua com o fechamento das boates e que esticam num último gole antes do sono. De olhos vermelhos, observam os que vão andar ou correr no calçadão.

Eles não se misturam. Uns comem sozinhos, outros bebem cerveja ainda animados e os atletas andam a passos apressados em direção à praia. As velhas senhoras seguem para a primeira missa da manhã e olham desconfiada e silenciosamente na direção dos bares.

sexta-feira, 18 de março de 2011

Pedra filosofal


Nenhuma profissão dá garantia de enriquecimento tão rápido quanto a política. Em apenas um mandato, alguns políticos começam a dar sinais exteriores de que ascenderam na escala da fortuna e deixaram para trás tempos difíceis. Economistas pobres, advogados pobres, médicos, funcionários, pastores, empresários modestos parecem ter descoberto a pedra filosofal ao fim de apenas quatro anos.

A vocação para a política pode se revelar cedo, na vontade de mudar o mundo e reparar as injustiças da vida. A iniciação na luta política surge então nas disputas estudantis e evolui para a militância partidária. Ou então aparece como oportunidade para funcionários, líderes comunitários, dirigentes sindicais.

Os que pensam na justiça muitas vezes se transformam diante das tentações e das possibilidades de enriquecer. E os que viram na prática política instigantes oportunidades para fazer dinheiro – talvez a maioria – estes já chegam com o conhecimento completo dos infames labirintos.

sábado, 12 de março de 2011

A Língua Geral


A presença portuguesa no Brasil depois do descobrimento não foi suficiente para, espontaneamente, impor no país a hegemonia da língua portuguesa. Até a segunda metade do Século XVIII, predominava no país a Língua Geral, o tupi, que era falada pela grande nação tupinambá. A ponto de o famoso bandeirante Fernão Dias Paes Leme, como tanta gente na época, nunca ter aprendido a falar português.

A Língua Franca, como também era chamada, foi inicialmente usada pelos jesuitas para ajudá-los na catequese. E espalhou-se pelo país com as bandeiras e as entradas pelo interior. O Marquês de Pombal a proibiu e obrigou a colonia a só falar português, mas a Língua Geral deixou remanescentes em inúmeras palavras do vocabulário brasileiro. O sotaque caipira do sul do país, com os rr de língua enrolada, é uma dessas heranças.

Apesar dos esforços dos governos das antigas colonias portuguesas, que tentam manter a unidade lusoparlante, o falar do Brasil afasta-se cada vez mais dos padrões clássicos. Um saloio português e um caipira brasileiro falam línguas diferentes, dificilmente se entenderiam.

terça-feira, 8 de março de 2011

Marlowe


Junto com Dashiell Hammet, Raymond Chandler renovou a literatura policial americana de uma forma que veio a influenciar dezenas de escritores mundo a fora. Eles foram contemporâneos, criaram arquétipos literários e morreram ambos de tanto beber.

Chandler escreveu oito romances em que a personagem, Philip Marlowe, é um detetive particular que tem uma atitude filosófica diante da vida e joga xadrez. Mas do xadrez ele diz que “é a mais elaborada forma de desperdício da inteligência humana, com exceção de uma agência de publicidade”.

No cinema, Marlowe foi interpretado por diferentes atores, entre os quais Humphrey Bogart e Robert Mitchum, que criaram tipos memoráveis. Ele dizia que “o álcool é como o amor. O primeiro beijo é mágico, o segundo é íntimo e o terceiro é rotina. Depois disso, você tira a roupa da garota”.

sexta-feira, 4 de março de 2011

Pássaros


Os pardais que habitavam Copacabana vieram de Lisboa mas foram quase todos expulsos pelos pombos. Outros pássaros, no entanto, parecem desafiar esses inimigos e frequentam o bairro com alguma desenvoltura. Povoam as árvores da Barata Ribeiro e os jardins das coberturas.

Eles vêm das matas que ainda existem no cocoruto dos morros dos Cabritos, São João, Babilônia, Uribu e do Leme. Ornitólogos consideram que, apesar de todas as condições precárias que existem para a vida nas grandes cidades, o número dos pássaros urbanos vem aumentando. Aqui no bairro, basta prestar atenção. Eles estão por aí.

Sabiás, beija-flores, bem-te-vis, cambacicas, canários, quero-queros, sanhaços, andorinhas, trinca-ferros, rolinhas. Os papagaios passam com seu canto rouco e vôo desajeitado pela manhã e regressam no fim da tarde ao Morro de São João. Um ou outro tucano, de vez em quando, aparece para surpreender. Sem contar as aves marinhas em seu incansável mergulho no mar para sobreviver.