quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Lauzerte


A apenas 35 quilômetros de Cahors, Lauzerte domina do alto um belíssimo vale da região do Tarn e Garonne. Tem apenas 1.500 habitantes, embora regurgite de turistas nos meses de verão. Esteve no apogeu nos séculos XII e XIII, quando seu papel defensivo se aliou ao de etapa na viagem dos peregrinos que se dirigiam a Santiago de Compostela.

A maioria das cidades do Sudoeste francês teve um papel importante como parte dos caminhos de Santiago, um movimento que mudou a face da Europa e dos povos desse continente. Algumas desapareceram, outras entraram em profunda decadência e poucas se mantiveram com o traçado e arquitetura da sua época.

Lauzerte é um monumento preservado da Idade Média. Merece bem o título de uma das “plus beaux villages de France”, que recebeu do Governo junto com poucas outras deste país com tantas belas cidades.

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Louras e morenas


Entre nós, as morenas e mesmo as mulatas pintam os cabelos para sentirem-se louras. No verão, desfilam seus cabelos pintados de amarelo e com a pele queimada, escurecida pelas horas de deliberada exposição ao sol.

Aqui onde me encontro, no que chamam de França profunda, no interior do país, são as louras verdadeiras que pintam os cabelos de preto, numa tonalidade quase azulada de tão escura. Em contraste com a pele muito branca, a moda dos cabelos pretos completa-se com a forte pintura dos olhos e da boca.

Com este ar de vampiras, as alvas francesas fazem contraponto às nossas falsas louras, mulatas. Juntas, elas constituem o enorme mercado consumidor da coloração de cabelos, a valiosa pérola da indústria mundial de cosméticos.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

O Agneau du Quercy


O Agneau do Quercy é um carneirinho alimentado apenas pelo leite da mãe, que foi criada no pasto das terras calcáreas das margens do rio Lot. Por isso tem um sabor especial. É o único cordeiro do mundo de origem controlada, com selo de qualidade e pedigree reconhecido.

No Auberge du Vieux Cahors ele é servido acompanhado de champignons, vagem e batatas rostie. É um prato que atráis gourmands de todas as regiões da França porque, dizem, é bem melhor quando comido na terra natal.

O Auberge du Vieux Cahors é um bom restaurante, de cuidadoso cardápio de pratos regionais: além do carneirinho, o foie gras e o pato confit valem a visita. São pratos untuosos, próprios para enfrentar o frio intenso desta época do ano.

domingo, 26 de dezembro de 2010

Noël


Como festa cristã, o Natal se reveste de caráter cerimonial religioso. A tradição misturou alguns símbolos de nascimento e morte. O costume de fazer jejum existente nas religiões arábico-judaico-cristãs foi substituido em algumas culturas pela proibição de carne vermelha, pois não deveria existir sangue na memória da vida e da morte de Jesus.

Entre nós, a venda de bacalhau quadruplica nas festas de fim de ano e uma infinidade de perus são sacrificados para que a carne branca não nos traga a lembrança do sangue.

Entre os franceses, o fim de ano se caracteriza pelos enormes pratos de frutos-do-mar, com destaque para ostras e crustáceos. É também a época das enormes intoxicações alimentares, desinterias destruidoras. Os hospitais da França se preparam, a cada passagem de Natal e Ano Novo, para os milhares de casos de desidratação que também simbolizam este tempo de misticismo e festa.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Monrovia


Um viajante que perde a bagagem é como uma tartaruga que perdeu o casco, foi o pensamento que me ocorreu olhando para a imensa fila no aeroporto de Toulouse, esperando para reclamar as malas desaparecidas no meio do cáos aéreo da Europa nesta véspera do Natal.

Eram tartarugas sem casco e aflitas, caladas, olhando para o funcionário que, lá longe, no começo da fila, fora designado para explicar o que não sabia.

“A Air France é uma companhia muito séria”, me disse o velho que bebia ao meu lado e que também perdera a sua mala. Acho que ele tinha razão porque muitos, alguns dias depois, recuperamos nossas perdas pelos esforços do pessoal que ouvia em silêncio tantas imprecações. Ao fim, me lembrei de Sergio Porto, cuja mala certa vez foi desviada para a Monrovia e ele pensava que monrovia era uma doença da pele.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Caos


As multidões nos aeroportos, de rosto cansado e ansiedade nos olhos é a marca da Europa nesses dias que antecedem o Natal. Centenas de pessoas tiveram de refazer seus programas para as festas de fim de ano por conta dos vôos cancelados pelas nevascas.

Nas cadeiras do aeroporto Charles De Gaulle, no centro da confusão, as crianças choram e os passageiros gritam com os perplexos atendentes da Air France, que olham para as telas do computador e estas não lhe dizem nada. A maioria dos monitores anuncia vôos cancelados.

Depois de uma viagem que durou exatas quarenta e duas horas, ainda não cheguei ao destino. Em Toulouse, uma parada, está frio mas não há neve. E o cassoulet da cidade, junto com o vinho de Bordeaux, ajuda a aquecer a quem perdeu a bagagem.

domingo, 19 de dezembro de 2010

De partida


Mais uma vez de partida para o Sudeste da França. Direto até Toulouse, com troca de avião no Charles de Gaulle, e de lá para as pequenas cidades da região, com base em Cahors , que conheço de longa data. Parece que a safra dos vinhos deste ano veio forte, encorpada, densa.

Está fazendo muito frio no Sudoeste e há neve em lugares onde ela não costuma cair, o que aumenta a suspeita de que o clima está mudando em todo o planeta. Será que as teorias da catástrofe climática são mesmo procedentes?

Tenho notícia de que em Toulouse a feirinha de Natal da Place du Capitole está movimentada como nunca e há filas enormes em suas barracas de vinho quente e comidas regionais. A quermesse de Natal em Cahors também dizem que não fica atrás. Já mandei avisar aos profissionais do Bar du Centre que estou chegando.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

O bolina


No extraordinário O Rio de Janeiro do Meu Tempo, Luiz Edmundo exibe seu talento de repórter e descreve com precisão como era a cidade na virada do Século XX. Descreve cada uma das ruas do centro. Seus prédios, lojas, cafés. E também a gente que habitava o Rio provinciano e calmo dos anos 1900.

Entre os tipos da época, ele destaca o bolina, o sujeito que subia nos primeiros bondes elétricos, sempre cheios, para se encostar nas mulheres e usufruir de um arriscado momento erótico. Havia escândalos de juntar gente, pois nem sempre as damas aceitavam sem protestar a intimidade do contato físico roubado pelo bolina. Edmudo acusa de serem adeptos da bolinagem algumas figuras importantes do seu tempo.

Parece que o metrô contemporâneo trouxe de volta o personagem, a ponto de terem reservado um carro exclusivo para mulheres, com o objetivo de protegê-las do assédio infame do bolina. Mas tenho visto alguns espertos bolinas pulando para o carro feminino, nas horas de pico. Dentro do vagão lotado de mulheres, eles procuram situar-se estratégicamente para o encosto, enquanto exibem um jeito cândido e um olhar distraido mirando um horizonte inexistente.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Obras-primas


Em 1876, quando Brahms estreou sua Primeira Sinfonia, o mundo musical o saudou como sucessor de Beethoven, que morrera em 1827. Foi um sucesso. O maestro Hans von Bulow, depois de ouvi-la, disse que a primeira sinfonia de Brahms significava a décima de Beethoven.

Quando a Nona e última sinfonia de Beethoven (http://www.youtube.com/watch?v=sE-sS_1JQZI) foi tocada pela primeira vez, em 7 de maio de 1824, em Viena, tornou-se uma sombra a inibir a criatividade de todos os compositores que o sucederam. Nenhum deles tinha coragem de compor uma sinfonia, depois de ouvir aquela obra-prima composta por um genio verdadeiro.

A admiração de Brahms por Beethoven era enorme mas ele ousou compor uma sinfonia. Nos primeiros acordes, dizem os historiadores, ele se dirige a Beethoven para enunciar, musicalmente: “do mais alto monte, do mais profundo vale, eu te saúdo”. Ouça um trecho da obra-prima de Brahms, regida por Otto Klemperer: http://www.youtube.com/watch?v=HkgiwJTXHlE

domingo, 5 de dezembro de 2010

Tetro


Francis Ford Coppola sabe fazer filmes. Sua obra comprova isso. Mas talvez o sucesso que obteve ainda muito jovem, com a trilogia do Poderoso Chefão, tenha de alguma forma comprometido o que veio a fazer depois. Com estes três filmes, realizados em cima do forte argumento de Mario Puzzo, ele produziu sua obra-prima e nunca mais conseguiu repetir o feito.

Tetro é um filme que conta com bons atores, o expressivo cenário da Boca, em Buenos Aires, e uma direção criativa. Narra a história de um escritor angustiado pelo próprio fracasso, pela culpa e pela memória de um pai que o destruiu emocionalmente. Parece uma boa história. E é.

Mas talvez tenha faltado a Coppola a companhia de um roteirista capaz de conduzir essa história sem os excessos melodramáticos que a compometem e deixar para o diretor os exercícios de estilo nos quais é mestre. Mesmo assim, a triste história de Tetro, escrita, produzida e dirigida por Coppola, não consegue nos emocionar.