quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Caussade


Caussade tem seu nome originado em causse, que é como se denomina a planície de calcário do Sul da França. Situada na região do Tarn-Garone, está a uma distância de 38 quilômetros de Cahors, que se percorre numa estrada que oferece em todo o percurso uma bela paisagem dos campos cultivados com vinhedos, girassóis e ameixeiras.

A feira semanal de Caussade é famosa pelo enorme espaço que ocupa na cidade e porque sua tradição vem dos tempos medievais. Trufas, foie gras, melões e o alho rosa da região são os destaques, fora os vinhos de pequenos produtores expostos nos balcões das barracas.

O chapéu de palhinha, aquele celebrizado por Maurice Chevalier, é um dos símbolos da cidade, mas procurei comprar um deles e não encontrei. Saiu de moda e os artesãos de Caussade não foram capazes de inventar novos lançamentos.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Le Marché revisitado


No ano passado, o Le Marché, na Place Chapou, em frente à catedral de Saint Etienne, onde a feira semanal de Cahors faz a alegria dos gourmands, impressionou muito bem. Sua cozinha leve, sofisticada, cheia de sabores diferentes, mereceram elogios. A foto ao lado é de um folheto promocional do restaurante.

Mas nem sempre o ato de revisitar antigos e bons lugares trazem as mesmas experiências do passado.

O rim de vitela (rognon de veau) não estava à altura do que o restaurante pretende oferecer: duro e sem sabor. O frango com alho poró era mediocre. Valeu a entrada, o foie gras produzido na região que nunca decepciona.

Uma mesa ao lado, ocupada por uma grande família de 12 pessoas, poderia ter tornado o ambiente barulhento e desagradável, se fosse em outro lugar. Mas a boa educação européia dividiu e organizou as três gerações presentes por idade e interesses. Os adolescentes, em crise como todos os adolescentes do mundo, conversaram entre si e desenvolveram jogos mútuos de sedução. Talvez fossem primos. As crianças encantaram-se com as sobremesas e não correram se perseguindo entre as mesas.

Mas penso que não voltarei ao Le Marché.

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Montcuq


Montcuq é uma pequena cidade medieval entre Cahors e Lauzerte. Situava-se entre duas antigas muralhas de defesa que hoje estão desaparecidas. Possúi três praças à sombra de plátanos e alguns bistrôs. Do castelo que pertenceu aos condes de Toulouse, restou uma bela torrre de 24 metros de altura.

A grande atração da cidade é a feira dos domingos, quando os produtores da região vão oferecer seus produtos aos clientes que acorrem das cidades vizinhas em busca de trufas, ameixas, pães de especiarias, cerâmica marroquina, azeitonas e comida, muita comida.

O Quercy branco, nome da região onde está Montcuq, é uma terra de moinhos e capelas perdidas dentro dos bosques, legado dos antigos peregrinos que por ali passaram com destino a Santiago de Compostela.

O vinho quente com canela, bebida típica dos meses do inverno, está presente e oferecido pelos feirantes a seus clientes. Um chinês de Hong Kong vende capões assados e diz que trabalha para, um dia, visitar o carnaval do Rio.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

A velhinha das margens do Lot


Bem velhinha, ela está curvada de tal forma que o rosto volta-se para o chão, mas os olhos miram acima, emprestando um certo ar de desconfiança ao seu modo de encarar as pessoas. O nariz fino destaca-se das rugas muito profundas para acentuar um olhar inteligente e curioso sobre os outros, enquanto ela caminha pelas calçadas de Cahors.

Não se veste como se fosse velha, pois uma saia curta e meias longas e grossas lhe dão um certo ar juvenil. Passeia todos os dias nas margens do Lot e parece não se incomodar muito com o frio do inverno e com o vento que faz o frio mais frio, pois um cachecol e uma boina basca lhe são suficientes como agasalho.

Se usasse uma bengala, talvez caminhasse de forma mais ereta e segura. Mas talvez fizesse com que se sentisse velha, portanto é melhor seguir curvada, a cabeça baixa mas com o olhar voltado para cima, a desafiar a velhice.

sábado, 26 de dezembro de 2009

Na noite do Natal

Na noite do Natal, o Bar du Centre era o único lugar aberto porque as lojas, os restaurantes e todos os lugares públicos haviam fechado em Cahors. No meio da noite fria, destacavam-se as luzes do velho bar. À distância, dava para ver o dono do bar e dois clientes de pé, encostados no balcão.

À meia noite, os sinos da catedral de Saint Etienne começaram a tocar e os dois clientes sairam para a rua e ficaram escutando o badalar dos sinos. Quando os sinos pararam de tocar, retomaram seus lugares e voltaram a beber nas grandes canecas de cerveja que haviam deixado no balcão.

No mundo inteiro, a noite do Natal foi construida para ser festejada em família. É a noite em que a alegria da festa excita os adultos e principalmente as crianças na espera da surpresa dos presentes que irão receber. Mas há quem prefira passá-la sozinho, como os dois homens que sairam do bar em Cahors para escutar o toque dos sinos da catedral.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Le Lamparo


Cahors tem alguns bons restaurantes, não fosse a cidade uma das mais importantes do Sudoeste francês, região famosa por sua gastronomia. É a capital do departamento do Lot, apesar dos seus parcos 20 mil habitantes. Comparada com as capitais dos estados brasileiros, em número de habitantes perde até para os magros municípios do interior do nosso país.

Le Lamparo é um restaurante que não figura entre os grandes da alta cozinha francesa, nem mesmo entre os famosos do Sudoeste. Está localizado bem em frente ao Halles, o mercado municipal de Cahors. Não exibe um grande letreiro na fachada e quem passa em frente só vai percebê-lo se estiver atento à paisagem urbana da parte antiga da velha cidade. No entanto é capaz de se igualar e até mesmo vencer quando comparado com os melhores bistrôs de Paris.

Lola Lestrade, a patroa, construiu um patrimonio de Cahors e a prova são as filas que se formam na hora do almoço à espera de uma mesa, mesmo agora, na estação do inverno, quando os turistas desaparecem da região.

Ancorado num cardápio que exibe os grandes pratos da cozinha do Sudoeste e num serviço atento, rápido e cortês, cobrando preços muito honestos, Le Lamparo mereceria um bom número de estrelas nos guias gastronômicos da França.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Cassoulet de Toulouse


Toulouse disputa com Carcassone a primazia de ter criado o célèbre prato francês de feijão branco enriquecido com com carnes de pato, porco e embutidos. Em Carcassone costuma-se usar favas ao invés do feijão, mas aqui em Toulouse o cassoulet é feito da forma tradicional. E a Maison du Cassoulet guarda essa tradição e serve o cassoulet em panelas de barro diretamente do forno.

A cidade não chega a ser uma das mais charmosas da França mas a Praça do Capitole é um lugar aprazível. Esta época do ano está tomada de barracas com produtos de Natal e muita gente a comer churros, crepes, aligot, pão de mel e tudo quanto é comida típica do Sudoeste. E a beber vinho quente.

Faz frio, numa temperatura bem suportável. A cidade é alegre, de população muito jóvem, por conta da universidade local, uma das mais antigas da Europa. É apenas uma passagem. Um pernoite.

domingo, 20 de dezembro de 2009

Viagem


O vôo AF443 decola amanhã do Galeão às 18:40hs e o AF7782, no dia seguinte, às 10:20hs, do Charles De Gaulle para Toulouse. São 12 horas de viagem que me deixarão perto de Cahors, onde pretendo passar as próximas semanas. Parece que uma onda de frio atinge a Europa e algumas borrascas de neve têm se precipitado pelo Sudoeste da França.

As viagens de avião, atualmente, são bem desconfortáveis. O Galeão está pior do que a Estação Rodoviária, os aviões lotados, longas filas para a revista dos passageiros na busca de terroristas e está difícil beber a bordo.

O número do vôo em que vou embarcar e a rota que ele vai cumprir me fazem lembrar o trágico AF447, que mergulhou no Atlântico sem deixar sobreviventes, logo após o jantar, quando os passageiros se acomodavam para fazer a longa travessia.

Viver é um risco permanente.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

O efeito estufa


O vizinho entrou no elevador lendo o jornal que falava da conferência de Copenhagen. Na mesma página, mostra a notícia sobre a ciranda de fogos no reveillon de Copacabana. Relaciona os dois fatos e me pergunta se eu não achava que aquelas toneladas de fogos não seria capaz de provocar enorme poluição e colaborar com o propalado efeito estufa.

Em todo o mundo, no dia 31 de dezembro, centenas de toneladas de fogos de artififício explodem minuto a minuto, na medida em que a Terra gira e a meia-noite vai chegando a todos os países. A poluição que se provoca nessa data, em tão breve momento, deve ter mais potência poluidora do que os gases expelidos pelo ventre dos rebanhos mundiais.

Se for mesmo verdade que o planeta esteja ameaçado, o homem sacrifica a cada ano um pouco do seu futuro por um momento de beleza pois, como disse Keats, o poeta inglês, “a moment of beauty is a joy forever”.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Festas


A uma semana do Natal, o tráfego de automóveis está intenso mas as lojas continuam meio vazias. A clientela talvez esteja nos shopping centers, o comercio de rua reservado para as compras de última hora. O calor fez uma pausa mas outros dias muito quentes se aproximam. Copacabana já recebe seus turistas, cuja presença vai aumentar, como sempre, na semana do ano novo.

Alguns edifícios ostentam na fachada decoração com luzes e leds. A mais feérica de todas costuma ser a do prédio onde mora o presidente de honra da Beija Flor, mas outros apartamentos nas ruas de dentro, sem a nobreza daquele na Avenida Atlântica, já inauguraram sua iluminação de Natal.

Marquinhos, o maluco da vizinhança, com seu rádio que não toca nada, dizia ontem que ouvia músicas de Natal enquanto dava uma pausa no seu mau humor e no ódio que devota ao próximo. Não xingava nenhum dos passantes, apenas olhava para eles com seu olhar fixo e um certo ar de desconfiança.

O bairro se prepara para as festas de fim de ano.

domingo, 13 de dezembro de 2009

Cantinas


A moda afeta o comportamento, a maneira de vestir, o vocabulário e até o nosso modo de comer. Colocar uma roupa que saiu de moda, um paletó curto ou uma calça de cintura muito baixa, faz-nos parecer aos outros como seres estranhos, perdidos no tempo. Dizer uma expressão que esteve na moda antigamente – do tipo “é uma brasa, mora” – vai nos fazer cair em ridículo profundo.

O cardápio dos restaurantes também sofre a influência da moda. Desde o tempo em que comer fora significava bife com batatas fritas, outros pratos estiveram na órdem do dia, como foi o caso do estrogonofe, do picadinho, do paillard com fettuccine e do steak au poivre. E a moda da nova cozinha francesa ou italiana mudou radicalmente a maneira de comer em restaurantes.

Em tempos passados, estiveram na moda em Copacabana as cantinas italianas com suas toalhas quadriculadas e o cardápio de massas feitas do jeito antigo. Elas foram desaparecendo e poucas resistiram, como é o caso de La Trattoria, na Rua Fernando Mendes. Vale a pena ir lá e comer uma bem feita lasanha à bolonhesa, prato que já esteve na moda e que desapareceu do cardápio nos modernos restaurantes italianos.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Alcóolatras


Maldonado me contou sobre uma descoberta de João Antonio, quando ele morava na Praça Serzedelo Correa e frequentava os bares de Copacabana. Alguns homens e mulheres que eram alcóolatras faziam ponto nas proximidades do Pavão Azul, que fica na Hilário de Gouveia, em frente à Delegacia de Polícia. Com a colaboração dos bares e a pedido das famílias, estavam proibidos de beber. Os botequins recusavam-nos como clientes.

João Antonio morreu em outubro de 1996 e ontem fui conferir sua descoberta. Eles ainda estão lá. Se não são os mesmos, outros vieram substituir os que partiram e rondam os bares, bebem água, tomam café. Aproximam-se discretamente de um camelô que vende meias na esquina e os abastece de cachaça. Tomam goles sorrateiros num único copo que está sempre à espera do próximo freguês.

Encontraram uma forma de burlar a proibição da família e o boicote dos bares ao vício que os destrói e lhes dá alento. Formam uma confraria secreta cujo objetivo é saciar a sede que não são capazes de aplacar.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Flamengo


De manhã bem cedo um ciclista passou veloz empunhando uma bandeira e por volta do meio dia Copacabana já tinha enlouquecido. As ruas foram tomadas pelos torcedores e eles eram em tal quantidade que davam a impressão de que o bairro inteiro torce pelo Flamengo.

Todos pareciam usufruir antecipadamente a vitória e o campeonato, formando uma multidão do Leme ao Posto Seis, num só alarido, cortado apenas pelo espoucar dos foguetes e da buzina dos automóveis. Todos os bares estavam com a TV ligada desde a hora em que abriram e a venda de chope e cerveja batiam recordes.

A cor vermelha se destacava na paisagem das ruas e a expressão dos turistas, também vermelhos por conta dos dias de sol da semana passada, passava da surpresa para a incredulidade diante da estranha e animada festa.

Não torço pelo Flamengo, mas sempre me surpreende a festa nos dias em que ele joga, um espetáculo de enorme, incontida alegria que só se compara ao silêncio e a depressão que toma conta do bairro nas raras vezes em que o time perde.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Os bichos


Moram no bairro cerca de 150 mil pessoas, mais turistas e gente de outros lados da cidade que vem à praia. Deve haver uma população equivalente formada por cães e gatos de estimação, porque há também muita solidão nos apartamentos e a companhia de um bicho compensa o sentimento de abandono de quem vive só.

Muita gente mora sozinha em Copacabana porque assim preferiu organizar a vida ou porque assim se tornou pela morte de alguém com quem viveu. Uma população mais idosa constrói também a solidão dos remanescentes.

Os gatos são menos sociáveis e quase nunca saem às ruas, preferem passear pelos telhados, mas os cães são habituais nas calçadas e penso que entre eles os poodles são maioria. Estão sempre no colo de suas donas, que os tratam com o carinho que dedicariam talvez aos filhos e aos netos.

No forte calor que tem feito, vejo poodles peludos. impacientes, arfando nos braços das senhoras. Elas sentam nos bares de calçada para para lhes comprar água e abaná-los com leques e acariciá-los, conversando com eles, e não há dúvida de que um entende o que lhe diz o outro.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

A Fortaleza dos Vencidos


Um belo romance que trata do amor, da paixão, da política e de outros fortes sentimentos da vivência humana. E tudo com humor e agilidade, num estilo ao mesmo tempo leve e forte e de grande criatividade. É o novo romance de Nei Leandro de Castro, a história de Marionália e Esmeraldino, um desencontro existencial que segura com firmeza a atenção do leitor e o conduz no fio da narrativa até o final surpreendente, enquanto Nei aproveita para exorcizar alguns fantasmas pessoais.

Sua obra até agora compõe-se de 11 livros de poesia, um ensaio sobre Guimarães Rosa e quatro romances, com este último. É tão bom poeta quanto romancista, o que comprova mais uma vez com este A Fortaleza dos Vencidos, editado pela Saraiva, um texto extremamente bem escrito, cuja fonte encontra-se no universo do expressivo linguajar nordestino.

Marionália e Esmeraldino, Romeu e Julieta às avessas, passam a figurar na galeria dos grandes personagens da literatura brasileira, principalmente ela, Marionália. Sua loucura e sua obsessiva busca de vingança contra o homem que amou fazem dela um personagem que não se consegue esquecer. Nem nós nem Esmeraldino, cujo nome foi inspirado por O Caçador de Esmeraldas, de Olavo Bilac, poeta que o seu pai venerava.