Deolindo Tavares nasceu no Recife em 21 de dezembro de 1918 e morreu aos 24 anos, em 6 de maio de 1942. Foi redator do Diário de Pernambuco e estudante de Direito. Sua obra poética foi publicada postumamente numa edição crítica de Fausto Cunha, em 1955, reeditada em 1988. É dele este belo poema sobre o dia de hoje.
Procissão
O Cristo de lábios roxos e face lívida
vai ser crucificado novamente
para gozo dos eróticos místicos;
o Cristo de cabelos longos e mofados
vai mais uma vez ser exposto
à degradação dos eróticos místicos.
Vinde ver as chagas sangrentas,
vinde ver o Cristo amarrado
passar sob as vistas das sensuais mulheres
entre vitrines e reclames de gás neon
para gozo dos eróticos místicos;
vinde, o espetáculo nunca deixou de ser inédito.
Vinde ouvir velhas megeras predizerem a destruição do mundo
que elas próprias destruíram,
vinde ver anjos e arcanjos, pintados e cansados
conduzirem o Cristo.
O Cristo lívido e de lábios roxos
segue no ombro de homens de sobrepeliz
para que todos vejam bem e saboreiem a tragédia.
Vinde ver como somente as prostitutas, os pederastas e os ébrios
estão mudos e não querem a destruição do mundo
porque nele esperam a redenção
carregando cruzes mais pesadas, talvez,
do que a deste pobre Cristo exangue e insone
através de todos os caminhos do mundo, até à morte.
Um comentário:
Eu não conhecia o poeta, gostei demais.
Remeteu-me a um trecho do Memorial do convento do Saramago onde ele descreve uma procissão na Lisboa do sécul XVIII. Está lá a mesma sensualidade mórbida encoberta por uma fé de fancaria, e a contrapartida da dor sincera dos excluídos.
Vou tentar achar nos sebos algum exemplar dessa edição de 1988.
Valeu !
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