Mesmo com a presença
de alguém para lhe dar comida e remédios, nossa ausência deve tê-la deprimido e
apressado sua morte. Teve alguma sobrevida após a cirurgia mas a metástase não
deixava esperanças. Também não resistiria à violência da quimioterapia. Suportou
a doença com a coragem e a elegância dos felinos. Perdeu muito peso, comia
muito pouco. Ontem, ela escondeu-se para morrer. A notícia veio pelo telefone,
chovia muito neste país estrangeiro.
domingo, 29 de setembro de 2013
sábado, 28 de setembro de 2013
Os automóveis
O automóvel trouxe dinâmica nova para os deslocamentos
humanos. Saudado como uma revolução civilizatória, colocou Henry Ford no
panteão dos heróis realizadores, mudou a cara das cidades, inaugurou um novo
sistema de produção capitalista e transformou-se numa fonte de estresse urbano.
O transporte de um lugar para outro, nas cidades
contemporâneas, muitas vezes é mais demorado do que o simples caminhar. O gás
carbônico que envenena os ares, a falta de lugares para estacionamento, os
desastres fatais, as despesas com alargamento de ruas e estradas significam a
negação do conforto prometido pelos anúncios assinados pela indústria.
Aos poucos, transformou-se num ícone. Símbolo de status
social, fonte de prazer e aventura, mas também máquina da morte. Criado para
servir ao homem, o automóvel passou a ser cultuado e transformou-se em objeto
de desejo e de cuidados.
quinta-feira, 26 de setembro de 2013
Gouffre de Padirac
O Gouffre de Padirac é uma enorme caverna subterrânea. A 130
metros de profundidade corre um rio que se estende por 40 quilômetros sob a
terra. Os turistas adoram subir e descer milhares de degraus para chegar ao
fundo, embarcar num bote e percorrer trechos do rio de águas transparentes
sobre um leito de pedra.
A sensação de navegar a mais de cem metros de profundidade é
a mesma que devia ocorrer aos passageiros do Rio Hades, nas mãos do barqueiro
Caronte. Na mitologia dos gregos, os que acabavam de morrer atravessavam aquele
rio separando o mundo dos vivos do mundo dos mortos. Eram dois rios, o Estige e
o Aqueronte.
Enquanto o barqueiro de Padirac ia fazendo o seu discurso,
eu ouvia a voz de Caronte. Pois era aquele rio que nos transportava para um
mundo desconhecido, estranho, detalhe de um pesadelo colorido com tons de
verde, sonhado em plena vigília.
terça-feira, 24 de setembro de 2013
Cahors
Em Cahors, reencontro André. Da última vez,
no ano passado, ele me mostrou orgulhoso a foto do filho, de apenas um ano, uma criança
de olhos sorridentes e claros chamada Rafael. A cidade vive o fim do verão e o
início de um outono ameno, os plátanos começam a perder suas folhas e todo o
verde transmuda-se para um amarelo de tons dourados.
André diz que Rafael, agora com dois anos
de idade, teve diagnosticado um câncer cerebral e encontra-se fazendo
quimioterapia. O Rio Lot, que enlaça a cidade e a transforma numa quase-ilha,
passa com suas águas tranquilas, limpas, onde alguns patos fazem o seu passeio.
Os restaurantes e os bares ainda têm cadeiras na calçada, os turistas ingleses,
que adoram a cidade, ocupam seus espaços.
Caminhando pela margem do rio, observo suas
águas mansas e uma vez mais, de maneira obsessiva, me vem ao pensamento a
afirmação final e definitiva de Thomas Hobbes: “a vida humana é desagradável,
brutal e curta”.
segunda-feira, 23 de setembro de 2013
Moissac
Quarenta quilômetros, alguns séculos e diferentes
histórias separam Moissac de Montauban. Esta última é um bastião protestante
dentro de um país católico. A outra vive de sua tradição de ponto de parada
obrigatório dos peregrinos que passam pela França em busca de Santiago de
Compostela. Tão próximas, tão diferentes. O ocre das paredes de Montauban, suas
ruas modernas, contrastam com o peso das construções medievais de Moissac.
A história de Montauban está ligada ao
espírito da reforma de Lutero, à austeridade do lema “laborare est orare”, o
trabalho é uma forma de oração. Moissac viveu sempre da adoração mística de
Deus e este seria o destino do homem na face da Terra, na concepção dos santos
filósofos Agostinho e Tomás de Aquino.
Ambas são belas a sua maneira, cada uma expressa
uma forma de beleza segundo a estranha visão dialética da natureza humana. A
procura de ascender espiritualmente pelo
trabalho ou pela concentração no entendimento do mundo pela atividade mística
que poderia explicar a essência do divino. Por causa disso são diferentes e por
isso foram inimigas quando os homens se matavam pelo amor de Deus.
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