Acontece sempre às primeiras horas da manhã, quando as ruas
se tranquilizam depois da noite agitada do bairro. Um silêncio feito de
pequenos ruídos de uma cidade despertando, os botequins lavam suas calçadas e
os andarilhos e corredores passam na direção da praia. O sol é ameno, nestes
primeiros dias do horário de verão. É quando ele se espreguiça e se levanta, o
cão amarelo que dorme ao lado do mendigo embaixo da marquise da loja de
colchões.
Silencioso, quase solene, ele atravessa a rua na direção da
praça do metrô e segue adiante. Mas antes aguarda o sinal verde da esquina,
imóvel e digno. Creio que vai em busca da sobrevivência, depois de dividir a
noite com o homem que ficou deitado no leito de cartolina e ainda vai demorar
um pouco mais para ele próprio se levantar.
Eles têm este acordo, o homem e o cão amarelo. Dormem juntos
numa mútua proteção contra as ameaças da noite para quem vive no perigo das ruas.
E pela manhã separam-se, vão em busca de suas vidas, para voltarem a se encontrar
mais tarde, depois que as lojas se fecham e é tempo de se prepararem para
dormir. Há um curioso entendimento entre eles. Uma aceitação das coisas do
mundo e das necessidades mútuas, numa linguagem que vai alem da compreensão.
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