domingo, 20 de julho de 2014

Um bêbado

Ele havia sido um homem poderoso, entrou cedo na política abençoado pelos senhores de engenho de Pernambuco. Gostava da boa vida, era inteligente, sarcástico e divertido. Conheci-o já decadente mas seu talento era superior à confusão intelectual que a bebida costuma cobrar de seus adoradores.

Foi um deputado ativo, reagiu ao golpe militar de 1964 e terminou por ser cassado e perseguido. Quando o conheci era um bêbado lúcido, capaz de nos fazer  pensar sobre quase tudo o que dizia. Fui hóspede em sua casa onde morava só. Acordou-me de manhã dizendo que era preciso fazer café, comprar pão e fritar ovos. Mas o conhaque estava pronto.


Algo o fez desprezar uma vocação talhada para a política, o saber e, principalmente, a literatura. Preferiu ignorar o ponto de fuga que a arte pode proporcionar a quem deseja escapar do beco sem saída que vida representa. Alguns resolvem enfrentar seus trágicos desígnios mas sabem que não serão vitoriosos.

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