segunda-feira, 16 de novembro de 2015

A noite


No ano em que desapareceu e nunca mais voltamos a vê-lo, Doka disse, na mesa do bar, que o mundo caminhava para uma nova Idade Média. Argumentava com o crescimento das religiões e sua importância cada vez maior na vida das pessoas simples em busca de Deus. Multidões de crentes financiavam as igrejas que surgiam na febre mística e tornavam-nas ricas, com poder político, capazes de movimentar poderosas correntes de opinião. Radical em tudo que dizia, Doka apostava também que não haveria fim na luta de séculos entre os mundos de Deus e de Alá.

Estava seguro de que as ideologias haviam falhado. O ideal comunista, que representou a última das utopias, acabou não dando certo na prática e foi esta a causa principal de ter surgido um pensamento de massa carola e atrasado. Muito semelhante ao que prevaleceu no Ocidente entre os anos que vão do fim do Império Romano até o Renascimento. Uma noite de dez séculos coberta pelo manto da Igreja, sua doutrina e seus instrumentos de dominação.


Doka era um cético, dizia que até os quinze anos acreditara na Igreja católica, dos quinze aos vinte e cinco numa revolução popular que acabaria com as injustiças e, a partir de então, só tinha fé na loteria federal. Talvez porque pensava assim, ria com amargura, não reconhecia nada como verdadeiro até que, discreto como sempre, deixou de aparecer nos lugares que costumava frequentar. Seus parentes não souberam dizer onde andaria. Chegamos a procurá-lo vários dias pela cidade. Em vão.

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