segunda-feira, 17 de setembro de 2018

Devir



Havia árvores sem folhas e nos seus galhos nus algumas aves procuravam por um abrigo inexistente. Era uma busca angustiada, pontuada de cantos roucos, piados dissonantes, voos curtos e sem destino. Onde animais tinham vivido era uma paisagem seca, áspera, feita de pedras e areia enegrecida. E não havia chuva, nem fontes, muito menos sombras.

Aquele era o território abandonado por tréguas inúteis, revelações cegas e perseguições. Um lugar sem tempo que agredia com sua face real e definitiva, pesadelo de algum monstro imaginário. As nuvens que outrora foram brancas surgiam sujas, enegrecidas de pó, desilusão de todos os desejos. Crianças muito feias e também sujas olhavam para elas, as nuvens.

Sobre as carcaças, restos de carniça atraiam urubus e outros pássaros estranhos, predadores de olhos assassinos. Ao fim do dia o sol continuava a queimar a terra e tudo o que ainda restara de outros tempos tão cruéis como o de agora. Sôfregos soluços, respiração entrecortada de gemidos dirigidos a um horizonte sombrio, imundo e cheio de ameaças.

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