Há muitos e muitos anos,
quando nos encontramos numa rua do Recife,
viela de paralelepípedos irregulares,
estávamos lendo Folhas de Relva,
dissemos que a tradução de um poema
mantinha a vida um pouco mais serena.
Dezoito anos de vida nos pesavam,
naquela estreita rua do Recife.
As prostitutas jovens nos amavam,
a elas pretendíamos
dedicar poemas que transcenderiam
as suas e as nossas existências.
Éramos poetas, buscávamos palavras,
tínhamos ódio dos adjetivos,
tentamos dizer que a mudez é um poema,
o silêncio calmo,o mergulho uma serpente.
O mundo era um teatro, a nós cabia
representar o belo, se existisse.
Refizemos palavras, entendemos que o sentido
das coisas é mutável; o ser, apenas existir
e permanecer no âmago da chuva
é receber no rosto a tempestade.
Compreendemos a força dos sentidos
que o amor traz consigo em suas voltas.
Nada nos confundia, no Recife,
pois aprendêramos a amar as despedidas.
Os poetas que líamos, Dylan, Whitman,
Calderón, Pessoa, Valery e Augusto dos Anjos,
todos nos dizendo que a paixão nos perseguia,
a memória não existia.
Quem soube do amor, naquele tempo?
Odiávamos os adjetivos, o poema
seria silente e seco, duro como um grito
solto na madrugada,
arrebentado pela fome dos aflitos.
Estávamos cansados, mirando a madrugada.
Cansados como hoje,
Estávamos cansados, mirando a madrugada.
Cansados como hoje,
nesta manhã
quando senti que tua morte interrompeu
o que deveria ser e não foi,
não mais será porque jamais te disse:
o poema é um fruto podre da existência.
quando senti que tua morte interrompeu
o que deveria ser e não foi,
não mais será porque jamais te disse:
o poema é um fruto podre da existência.
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