sexta-feira, 7 de outubro de 2016

1978




Não dá para ser feliz, dizia Doka enquanto bebia. Estávamos num dia chuvoso de nuvens negras, um vento cortante espalhava-se em rajadas e o tempo de cor cinza acentuava o pessimismo da frase. Ele se referia a algum pensamento ou episódio que eu desconhecia, pois costumávamos nos sentir felizes quando estávamos bêbados. Era um monólogo o que ele pronunciava, não parecia notar a minha presença.

Há muitos anos vivíamos tempos difíceis. Vladimir havia sido assassinado, o perigo andava nos ares e não sabíamos mesmo como poderia ser o dia seguinte. Havia o temor de falar sobre o que acontecia, sobre a censura, as prisões e o clima angustiado de medo. Sufocávamos nossas vidas, o respirar dava agonia e se pensava em sair do país, fazer a vida em outro canto onde fosse possível redescobrir a sensação de liberdade.


Não dá para ser feliz, dizia Doka para si mesmo enquanto bebia. Acendi um cigarro – naquela época eu fumava e bebia muito – enquanto olhava para a chuva e esperava que ele mudasse de assunto. Os sons faziam eco pelos ares, as cores apenas transmitiam a escuridão, botaram para tocar uma música que dizia amanhã há de ser outro dia. Não sabíamos bem o que poderia significar.

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