Não dá para ser feliz, dizia Doka enquanto bebia. Estávamos
num dia chuvoso de nuvens negras, um vento cortante espalhava-se em rajadas e o
tempo de cor cinza acentuava o pessimismo da frase. Ele se referia a algum
pensamento ou episódio que eu desconhecia, pois costumávamos nos sentir felizes
quando estávamos bêbados. Era um monólogo o que ele pronunciava, não parecia
notar a minha presença.
Há muitos anos vivíamos tempos difíceis. Vladimir havia sido
assassinado, o perigo andava nos ares e não sabíamos mesmo como poderia ser o
dia seguinte. Havia o temor de falar sobre o que acontecia, sobre a censura, as
prisões e o clima angustiado de medo. Sufocávamos nossas vidas, o respirar dava
agonia e se pensava em sair do país, fazer a vida em outro canto onde fosse
possível redescobrir a sensação de liberdade.
Não dá para ser feliz, dizia Doka para si mesmo enquanto
bebia. Acendi um cigarro – naquela época eu fumava e bebia muito – enquanto
olhava para a chuva e esperava que ele mudasse de assunto. Os sons faziam eco
pelos ares, as cores apenas transmitiam a escuridão, botaram para tocar uma
música que dizia amanhã há de ser outro dia. Não sabíamos bem o que poderia
significar.
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