Telus era um vento que à noite
açoitava os últimos mendigos.
Errava na madrugada, levantava folhas,
o zinco e a poeira dos telhados.
Desenhava em chuva o próprio rastro.
O mês de maio e a memória
que vivia
cercavam o pensamento. Essa lembrança
construía um refúgio para as almas,
a faca da chuva afiava o próprio corte
e o frio e a fome perpassavam nossa rua.
cercavam o pensamento. Essa lembrança
construía um refúgio para as almas,
a faca da chuva afiava o próprio corte
e o frio e a fome perpassavam nossa rua.
Um retrato mirava nossos olhos,
indagava sobre a noite e pressentia.
Milhões de vezes repetia a história
em que o mar e seus segredos
espalhavam sonhos pela praia.
No fim, Copacabana estertorava
e dormia inquieta no silêncio.
As igrejas e os bordéis esmaeciam,
lembranças apagadas na memória
dos meninos deitados sobre a areia.
O murmúrio dos bares, sexta à noite,
informava uma viagem em que a morte
conduz serenamente os passageiros
e aproxima seu hálito noturno
das sombras disfarçadas nas esquinas.
O vento era esse ator posto de lado
nas frias estações, no sol a pino,
por entre os movimentos da manhã
em que tudo se movia e um só instante
era capaz de revelar perdas antigas.
Soprava entre os corpos nas calçadas,
entre crianças doentias e as mulheres
com seus ventres inchados. A dor,
elas carregavam consigo como nada,
nem mesmo como o som de uma palavra.
A chuva era este vento transformado
em lâminas, poças d’água, inundações
e o medo nas favelas da cidade.
Telus, em desatino, perseguia
os minutos, construindo aquele tempo.
Os fantasmas chegavam com o vento.
Invadiam o sono, mostravam suas caras,
acenavam da distância, perguntavam
por que sonhávamos com eles
e ficavam mirando nossos olhos.
A primeira visão era serena,
de olhos verdes conduzindo algum perigo
que só ela pressentia e admirava.
A boca insinuava a despedida
e as mãos faziam gestos de partida.
Depois era a lembrança dos antigos
ocupando a memória enquanto o vento
passava pelas frestas da janela.
Eram ruídos surdos e assobios,
revelações em pesadelo e sono.
A noite erguia suas casas, os lugares
onde acoitava o medo dos ausentes.
A revelação dos fantasmas perseguia
o sono e tudo o que no sonho repetia
o que a vida na morte revelara.
A criança, só, ouvira o som: Copacabana.
E a noite tornava-se vermelha, dolorida
como os crepúsculos sangrentos
que emolduravam as tardes em Recife,
a dizer como é triste a vida humana.
II
Noite. Noite sombria de presságios
com suas revelações contraditórias,
sonhos de incerteza, olhos parados
no escuro de um quarto sem mobília,
nos traços que se apagam no silêncio .
Noite entre os desejos, onde suspiros
refletem entrelaçados nos amantes
as reticências viventes nas palavras,
onde a memória vai se dissolvendo
no passo que aproxima a madrugada.
Um tempo antes da aurora desse dia
marcado pelo som da tempestade.
Em todas as esquinas deste bairro
onde vicejam árvores sem nome
e os objetos noturnos se separam.
O tempo é a forma e a moldura
sobre a praia, a cor dos elementos.
Nele viverão não só seus habitantes
mas também a dor, ressentimentos
e todas as instâncias dos sentidos.
Há calma e assombro nos sussurros
cuja lentidão percorre o mês de maio
e faz desenhos soprando nas areias.
As gárgulas em sombrias esculturas
rasgam a boca em riso e desafio.
Uma forma de mulher também sombria,
com o rosto entorpecido de silêncio,
configuração da morte, ameaça
presente em todo sentimento
em que a vida nela mesma se revela.
Sentou-se a meu lado no metrô,
senti seu odor triste, a permanência,
a aura de extermínio envolta com a vida
e com o destino de todos os viventes.
Olhei o rosto , não pude ver seus olhos.
Transfiguração de toda uma existência,
uma velha mirando o fim do dia.
Olhava o entardecer e a escuridão,
o andar da multidão resignada
e sem destino em fila nas calçadas.
Nas esquinas oblíquas restam flores.
Na moldura das pétalas fechadas
antigos sentimentos se misturam
e se multiplicam como insetos
escurecendo as cores da paisagem.
Esta mulher de fala doce acaricia
com sua voz sem cor ou timbre
e com palavras repetidas, ao tempo
em que uma criança insone
escutava o som do vento e adormecia.
III
Deserto sem dunas habitado pelos corpos,
pelas águas salgadas, pelo sol que de manhã
atravessa o suor e a sede do verã.
Agora sob a chuva sente o frio, estrangeira
estação nesta praia desnudada e calma.
O mar cresce entre as espumas de sargaços
em frente à Prado Junior, estende até o Leme
a cordilheira branca salpicada nas estrias
de nuvens baixas, próximas das pedras
onde a água espelha a forma de um peixe.
Mas é próximo dos morros que o recorte
deste bairro estende um cobertor
e nele abriga crianças, bêbados, famintos,
a solidão que a vida retira dos seus restos
e oferece como a ceia dos aflitos.
Copacabana fecha-se noturna,
as prostitutas abandonam a praia.
A força deste vento repetindo
uma vez mais e eternamente
o ódio reprimido pelas ondas: Telus.
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