sábado, 26 de agosto de 2017

Dylan



Retornando de um encontro com Dylan,

não percebi a chuva nem o vento que batiam

em todas as formas da cidade cinza.


Recordei suas palavras sobre a gênese das pirâmides,

as elucubrações sobre seu próprio corpo

e a sina dos que se drogam e se embriagam.

 
Mais tarde, trabalhando num computador,

mergulhei sobre a gênese das palavras,

o pensamento envolto em bruma, indecifrado.

 
Estamos num trajeto onde a chuva

obscurece o rumo e o vento é um chicote

a nos trazer de volta os elementos.
 

Recuso imaginar que tais caminhos

são caminhos sem retorno e sem saída.

Procuro em meu redor e mais além:

 
Velhas estradas, becos e atalhos

esquecidos e nunca imaginados

trazendo consigo assombrações.

 
Medos antigos tantas vezes visitados,

tantas vezes também compreendidos,

só compreendidos, nunca decifrados.

 
Estivemos tanta vezes juntos, eu e Dylan,

tantas vezes bêbados, incapazes,

tantas vezes assim emudecidos.


Pois mudos nos fizemos: era duro

falar sobre as coisas insensatas

tão próximas de nós constituídas.

 
Tantas vezes nos fizemos loucos

apenas para ver onde chegavam

a loucura, sua marca e fantasia.

 
O que vimos e fizemos, os cegos

nos diziam com seus cantos

que era impossível de compreender.

 
Eram cantos fanhosos, irritantes,

sobre fatos que os videntes

jamais teriam visto acontecer.

 
Nesta saga para nós tão suja,

tão confusa em nossas mentes,

tão cheia de percalços rudes.

 
Nesta saga de infâmia e de pobreza,

de miséria, engano e ódio,

de doença e de morte procurada.

 
Foi nesta saga que encontramos

o que nunca haveríamos de entender

sob manto de forma pressentida.

 
Neste enigma tão claro, silente

e calmo, sem filosofia, ausente

de qualquer sentido assimilado.

 
Desconhecemos tudo e tanta coisa

existe em petição de se saber

se vale a pena, simplesmente, ver.

 

Dylan mostrou-me algumas casas

de ópio. O silencio e o fumo

desenhavam suas formas na parede.

 
Ali nos assentamos e choramos

o pranto calmo dos desiludidos

em meio a fumaça, incenso, nostalgia.

 

Não percebemos a chuva que batia

nas paredes da cidade cinza.

Eu e Dylan, ambos tontos, em agonia.

 
E nos embriagamos. Bêbados nos vimos

tão próximos da dor e dela alimentando

os cães e os passarinhos.

 
Nunca imaginamos, nós, embriagados,

a alma imunda e dolorida,

que tanto nos iludiríamos.

 
Estivemos cuspindo todo o tempo

 nas águas sujas de um rio

em que iríamos mergulhar.


Com tanta espera, enfim, nos dedicamos

a tecer o rumo das estrelas

e imaginar a direção dos ventos.



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