sábado, 8 de dezembro de 2018

Um pássaro





Na manhã cinzenta, o velho pensa e mergulha nos pensamentos porque pensar é  viver dimensões insondáveis, sonhos nunca imaginados e é também o sofrimento dos velhos. Uma ave estranha o acompanha e o murmurar das árvores denuncia a ventania e a chuva que se aproxima. Faz frio como prenúncio do inverno que virá cobrir tudo: reflexões e folhas soltas no tempo insólito das vivências tardias.

Acabaram-se os espantos e apenas o grasnar daquelas aves sugere a lembrança de algo que se perdeu e que a memória é incapaz de alcançar. Que assim seja, pois há um poema que se dissolveu em torpor e nunca mais há de reviver, só os escritos fúteis, as falas inúteis e um tipo de beleza inalcançável hoje como sempre foi. Sombras trágicas, dispersas, destituídas de rosto, impossíveis de olhar.

Voltam os redemoinhos, sentimentos soltos mergulhados em poeira que os olhares antigos levantam e que haverá de cobrir tudo – as lembranças, os sentimentos confusos, as emoções que se perderam e que nem o tempo haverá de resgatar. Um pássaro negro a repetir nunca mais.



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