segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Os bons amigos

A solidão humana nem sempre pode ser compensada por uma presença da mesma espécie. Os amigos e os parentes concentram-se em suas  próprias vidas e não há por que acompanhar ou preencher o vazio existencial dos outros. Por isso são tantos e tão diversos os animais de estimação que fazem companhia aos solitários.

Há um ciclista que passeia diariamente pela Barata Ribeiro com um corajoso gato agarrado às suas costas. Os cães seguem seus donos pelas ruas.  As gaiolas dos canários, curiós e pintassilgos criados pelos porteiros decoram as árvores em frente aos edifícios e entoam seus cantos de cativeiro.


Uma calopsita, também chamada caturra, pássaro que veio da Australia,  faz companhia a este homem da foto que ilustra o post. Permanece abrigada em seu ombro e não para de piar intensamente mesmo durante as paradas do seu dono pelos botequins do bairro.

sábado, 24 de agosto de 2013

Nossas vidas

Não se vive uma só vida. Ao longo da existência, vivemos em etapas que começam e terminam para um novo reinício, num ritual das surpresas. Ao fim de cada ciclo, morremos para renascer mais felizes ou mais infelizes, a depender do acaso, acontecimentos, episódios e espantos.

Nada tem a ver com o mito da reencarnação. Mas valeria dizer que iniciamos cada nova etapa da nossa única vida como se fosse uma nova entrada no palco do teatro do mundo. Diante de nós, uma platéia formada por nossos próprios sonhos, dos quais recebemos aplauso ou apupos para as poucas vitórias ou para as decepções que foram vividas. E que vão nos acompanhar para sempre.


O mistério existencial mergulha no seu próprio absurdo. Diante de nós, as perguntas eternas sobre o destino e a explicação de tudo. Em cada etapa vivida, morremos. E permanecem insepultos a perplexidade, a inconsciência e tudo o mais que constituiu tumulto ou paz em nossas vidas passadas.

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Retorno

Ela voltou meio trôpega, depois de quase uma semana de internamento na clínica. Um veterinário mais audacioso resolveu submetê-la à cirurgia e extraiu o linfoma. Foram três, os tumores. Agora, é acompanhar o que ela tem de sobrevida. Vi também que a clínica – não o médico - é uma indústria desprovida de sensibilidade montada para a exploração dos sentimentos humanos e do sofrimento dos animais.


Mas ela voltou. Com os olhos muito abertos, assustados, percorreu cada canto da casa. A cadela que a persegue e inferniza sua paciência recebeu-a carinhosamente e lambeu seu pelo demoradamente. Voltou a comer com apetite, toma várias doses de diferentes remédios por dia e continua a me olhar com serenidade e confiança.

domingo, 18 de agosto de 2013

Manhã de agosto

Passeio por Copacabana mas não vejo o glamour que atrai tanta gente do mundo nos meses de verão. Na esquina da minha rua, três adolescentes ainda dormem sobre pedaços de papelão, debaixo da marquise, enrolados em cobertores. Faz frio. São poucos os mendigos pedintes, devem ter se transferido para outro lugar da cidade.

Na praia, grupos de miseráveis recolhem cobertores, procuram levantar-se, alguns de olhos quase fechados da ressaca provocada pela cachaça ruim, muito barata, vendida nos supermercados.  Algumas garrafas vazias estão jogadas ao lado e me pergunto se os fiscais da Prefeitura vão aplicar as multas previstas na nova postura para quem jogar lixo na rua.


Grupos de meninos sujos e magros misturam-se aos caminhantes e corredores das primeiras horas do dia. Cheiram cola. Alguns meio sonâmbulos devem ter feito uso de crack. A miséria é uma sombra que se destaca na chuva fina que cobre o bairro e escurece esta manhã de agosto.

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Mundo novo

No alvorecer da revolução tecnológica, quando os espaços do mundo diminuiram e ampliaram-se as possibilidades de comunicação entre as pessoas, isto foi recebido com enorme otimismo.

Foi imaginado que a chegada da automação e da inteligência artificial significariam libertação para a  humanidade, que se livraria do trabalho, maldição bíblica depois do pecado original. Haveria mais tempo livre e se discutia o que fazer com ele, talvez o lazer criativo, a melhoria da condição humana.

Mas a receita desandou. Há notícias de trabalho escravo nas empresas asiáticas que fabricam produtos de alta tecnologia, sem falar nas usinas brasileiras de etanol.  O homem mais rico do mundo fez sua fortuna vendendo impulsos de telefone celular para os miseráveis em cartões pré-pagos. As grandes empresas contratam executivos com obrigação de estarem disponíveis as 24 horas do dia em todos os dias da semana.


Foi sequestrado o sonho de liberdade.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Direita e esquerda

O pensamento político tem um conflito entre duas correntes que vem desde Roma antiga.  De um lado os conservadores, que buscam manter os valores que receberam pela tradição e do outro aqueles que defendem mudanças capazes de melhorar a experiência humana num planeta combalido.

Como os conservadores sentavam-se no lado direito e os reformadores do lado esquerdo, nas assembléias da Revolução Francesa, estas  posições marcaram as duas ideologias contraditórias: direita e esquerda. Hoje, muitos dizem que esta divisão não mais existe e quem afirma isso são,  habitualmente, os de posições conservadoras, ou seja, a direita. A esquerda reivindica sua identidade. A direita é uma só e as esquerdas são várias, separadas pelo  maior ou menor grau de mudança ou revolução que apregoam.

Para as desavenças humanas, a divergência política é tão fatal quanto a provocada pelo fundamentalismo das crenças religiosas. Ou até mesmo quanto as brigas entre as torcidas dos times de futebol. Todos esses conflitos têm origem, penso, na crença de que existe uma verdade. Mas o que existe é a luta eterna e trágica dos homens pelo poder de obrigar outros homens a fazerem ou deixarem de fazer alguma coisa. Mesmo contra a vontade. O filósofo Marcelinho Cachaça, de quem já falei aqui, resumia: “quem está em cima bate, quem está embaixo apanha”.