sábado, 27 de abril de 2013

A perda da paixão


Ouço o Concerto nº2 para trompa e orquestra de Mozart e me lembro de uma mulher que amei. Desde adolescente eu amava Mozart e as mulheres. Mas esta de quem falo dizia gostar dos clássicos embora odiasse Mozart. Dizia ser incapaz de ouvir este concerto para trompa e orquestra sem perder o bom-humor.

Nosso romance durou alguns anos e, no início, foi bom porque juventude e paixão se acasalam pela surpresa do amor. Depois comecei a sentir saudades de Mozart, a quem tinha abandonado e ouvia escondido, pois os fones de ouvido, naquela época, não eram tão bons. Talvez sequer existissem. E comecei também a pensar como alguém podia detestar Mozart e, especialmente, aquele concerto.

Amor e sofrimento caminham de mãos dadas e duas emoções contraditórias não podem conviver. Em nome do amor, eu tinha esquecido Mozart. Não existe dor maior, no entanto, do que a descoberta de que não existia amor onde pensavamos existir.

Ouço agora os concertos para trompa e orquestra e penso que Mozart talvez tenha compensado a perda daquela paixão.

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Como as abelhas


Vivemos num sistema como o das abelhas, que obedece a rígido ordenamento social. O objetivo é manter um regime de poder do qual, como os zangões, alguns não fazem parte. Servem a ele, como subalternos de uma triste organização planejada pelos dominadores.

É esta a origem das revoluções que a humanidade conheceu, e também da violência, do terrorismo e da luta pelo poder. Qualquer poder. Trata-se de uma cornucópia envolta em rituais de morte e destruição.

Acho, pois, que a causa primeira da violência é a estrutura em que vivemos, parecida à das abelhas. Com brutalidade, os que detêm poder fazem uso dos incapazes de reagir. Não sei de revoltas na organização social das colméias, talvez esteja nisto a diferença de comportamento que se observa entre os homens e as abelhas.

terça-feira, 16 de abril de 2013

A fera humana


A notícia de um assalto com o assassínio de uma mulher e o espancamento brutal de um  velho, numa pequena, tranquila cidade do interior, faz pensar na vocação humana para a violência. Entre os diversos mitos criados em torno do ideal de felicidade, o da paz entre os homens é um dos que mais têm alimentado a ilusão dos espíritos.

A barbárie contradiz as afagadas crenças humanas, como a da evolução moral  que acompanharia o desenvolvimento da civilização. A realidade se contrapõe a esse mito e estampa diante da nossa cara que prosseguimos em nossa condição de animal predador, lobo do próprio homem.

Somos uma triste espécie de bichos capazes de sonhar sonhos de transcendência mergulhados na mais escura caverna da loucura e da violência. Os sonhos sonhos são.

terça-feira, 2 de abril de 2013

O reino das drogarias



Um amigo me diz que Copacabana é um bairro ideal para velhos porque debaixo de cada prédio tem uma farmácia. Tirando o exagero, tem sempre uma delas sendo inaugurada com a festa típica dos eventos desse tipo: banda de música, distribuição de panfletos e promoção de preços de abertura. O bairro tem mais farmácias do que padarias.

No país inteiro existem mais de 80 mil farmácias e não é incomum existir mais de uma na mesma quadra. As explicações variam desde o hábito de auto-medicação do brasileiro à lavagem de dinheiro. O célebre bandido Cy de Acari, que morreu enforcado em Bangu I, possuia uma rede de 200 drogarias espalhadas pelo Estado para lavar o faturamento do tráfico.

São pensamentos que me ocorrem enquanto ouço a bandinha tocar na inauguração de mais uma farmácia, aqui embaixo do prédio.