quarta-feira, 30 de novembro de 2011

O mar


Se a paisagem da sua natureza não fosse tão bela, o Rio seria uma cidade desumana, como existem tantas no país. Opressivas, de ar pesado, trânsito louco, violência, miséria e cáos.

As cidades marítimas aparentam certa leveza e olhar o mar transporta o espírito para alem do horizonte, como se divagassemos em torno da nossa própria origem no universo das águas. Até mesmo um ligeiro contemplar proporciona pequena fuga de uma realidade às vezes sufocante.

Copacabana, no entanto, afasta de si o mar. Um paredão de quiosques, passarelas, arenas esportivas, palcos para shows barulhentos e construções enigmáticas bloqueia a praia. A cidade se afasta das águas. O carioca odeia o mar.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Luiz Carlos


Quando nos conhecemos éramos dois adolescentes interessados em literatura, amantes da poesia. O destino nos levou para caminhos diferentes mas de vez em quando vinham notícias de longe, de onde ele morava e trabalhava.

Voltamos a nos encontrar passados muitos anos, estavamos quase velhos. No bar, em Copacabana, ele disse que já estava se acostumando com a idéia da morte. Respondi com uma frase um pouco literária, a de que a vida não passa de uma preparação para a morte. E lembrei o verso de Unamuno: toda vida, ao final, é um fracasso.

Continuamos a beber, um pouco mais depois daquela conversa sobre a morte e o fracasso. Depois ele voltou para Natal, morreu poucos dias depois de um ataque do coração. Lula. O poeta Luiz Carlos Guimarães.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Fim de tarde

Sentaram-se na última mesa da calçada do botequim. Haviam chegado apressadamente, um depois do outro, aparentando certa urgência e dispensaram o garçon que se aproximou. Não queriam nada. Ficaram olhando em direções diferentes. Ele acompanhava o trânsito da Barata Ribeiro, ela fingia procurar alguma coisa para o lado da Paula Freitas. Ela usava uma calça jeans bem justa e trazia uma sacola de papel com algumas roupas, ele calçava chinelos e vestia uma camiseta verde, desbotada. Estavam muito sérios e passaram a olhar para o chão, compenetrados. O garçon os fitava de longe, encostado no umbral da porta e fez um comentário qualquer com alguém que se encontrava no caixa. Os dois não trocaram qualquer palavra nem quando ela, uns 15 minutos depois, levantou-se, acenou para um taxi e embarcou. Ele chamou o garçon, pediu um chope e voltou a olhar, desta vez para o lado da Paula Freitas.

sábado, 5 de novembro de 2011

Trilheiros

As pinceladas de vermelho no horizonte emolduravam a paisagem nos primeiros minutos do dia. O céu limpo de núvens preparava-se para receber o sol. O vento que batia em nosso rosto já não era tão frio e prenunciava calor nas serras. O ronco das motos era o único barulho perturbando a tranquilidade daqueles campos onde não faltavam sequer algumas vacas no amplo e ondulado espaço verde. Desaceleramos para olhar um pouco o quadro em nossa volta, respirar o ar fresco e sentir um pouco mais a euforia que nos trazia uma intensa sensação de liberdade. Logo adiante, depois da curva, sairiamos da estrada para percorrer uma trilha estreita, acidentada, onde outras paisagens, surpreendentes, iriam se suceder no meio da antiga mata atlântica. Tornamos a acelerar porque era domingo, eramos jovens e havia uma manhã que nos desafiava.