sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Esquentando os tamborins


A enchente do mês passado na região serrana do Rio de Janeiro saiu das páginas dos jornais e do noticiário da TV. Novas notícias, outros acontecimentos dramáticos tomaram o lugar dos mortos de Friburgo, Teresópolis e Itaipava.

As vítimas foram estimadas em mais de mil e muitas ainda se encontram sob os escombros. O barro que restou no caminho das águas enterram os corpos em sepulturas desajeitadas. Muitos jamais serão encontrados e permanecerão para sempre na conta de pessoas desaparecidas.

O luto pelos mortos passa rápido na memória dos vivos. Restam como trágicas lembranças a leishmaniose, a leptospirose, a hepatite A e a toxoplasmose. Pois agora é tempo de festa, do carnaval que excita as multidões e as leva para as ruas exaltando a vida.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Perversa Paixão


Perversa Paixão (Play Misty for Me), primeiro filme de Clint Eastwood na direção, traz alguns defeitos que se pode debitar a sua inexperiência atrás das câmeras. Mas já tem a marca do seu talento.

É uma história com ingredientes de terror filmada em 1971, depois da sua volta aos Estados Unidos. Ele havia passado alguns anos na Europa estrelando spaghetti westerns e aproveitou para aprender com Sergio Leone alguns truques de narração que veio a desenvolver mais tarde.

Play Misty for Me, no entanto, foi feito sob clara influência de Don Siegel, mestre de filmes B hollywoodianos, grande amigo de Eastwood. Ele chega a fazer neste filme um pequeno papel como ator. Vale a pena ver como um bom filme continua bom quarenta anos depois.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Religiões


A crença nas divindades consola as emoções humanas e dá aos homens a esperança de sobreviverem à morte. Compensa a brevidade da vida e assegura a existência de uma outra dimensão desconhecida. Os sacerdotes, intermediários entre os viventes e as entidades divinas, encarregam-se de descrever o além e de assegurar a eternidade do castigo para os maus e da bonança para os bons.

As religiões desprezam a vida em benefício da morte, quando só então existe a possibilidade de paz para as almas e eterno descanso para o corpo. A doutrina das grandes religiões tenta domar o comportamento humano e dele exigir absoluta fidelidade a seus mandamentos.

O sacrifício é cultuado e promovido, pois só através dele são possíveis as recompensas. A repressão aos instintos vitais é a prova de fidelidade aos preceitos divinos. As religiões têm escravizado os homens em troca da esperança.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Poetas norte-americanos


Num de seus enunciados intuitivos e inteligentes, Borges disse que todos os poetas escrevem o mesmo poema. Um poeta que, hoje, começa a escrever um poema, está dando continuidade ao que outro poeta interrompeu, muitos anos antes. Isto parece ser verdade na poesia norte-americana depois da Segunda Guerra. Uma geração de poetas que escreve sob temas diversos, mas parece escrever o mesmo poema.

O país dos supermercados, das conquistas espaciais e das intermináveis guerras de ocupação talvez não pudesse dar origem senão a poetas como Allen Ginsberg, cujo poema O Uivo (Howl) é o manifesto da sua geração. Gary Snyder, W. S. Merwin, Richard Wilbur, Charles Bukowsky, com novos experimentos de linguagem, franqueza rude e um lirismo chocante, escrevem a mais criativa e contundente poesia contemporãnea.

Eles são continuadores de poetas como Edgar Allan Poe e Walt Whitman, que foram tão diferentes entre si na forma e na temática dos seus poemas mas que expressaram a dupla face e o mesmo assombro na forma de olhar o mundo.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

O enigma Rimbaud


Antes de partir para a África, interrompendo uma obra que já o havia consagrado como um dos maiores poetas de língua francesa, Arthur Rimbaud disse je suis venu trop tard dans un monde trop vieux. Cheguei muito tarde num mundo muito velho. Ele expressou o seu tédio pela vida citando outro poeta, Alfred de Musset.

Rimbaud é um dos grandes enigmas da literatura. Foi grande quando ainda era quase um adolescente, brilhou nos círculos literários de Paris da belle-époque e desapareceu de repente. Gabriel Bounoure escreveu um livro, Le silence de Rimbaud, com o resultado de uma pesquisa que fez seguindo os passos do poeta em sua vida na África.

O que teria feito com que ele abandonasse tudo e partisse numa aventura errante, nem sua própria irmã poderia dizer. Com o irmão no leito de morte, Isabelle Rimbaud escreveu à mãe: "Não, não acredito. É quase um ser imaterial e o pensamento foge apesar dos seus esforços. Às vezes pergunta aos médicos se eles vêem as coisas extraordinárias que ele percebe, e fala-lhes e conta-lhes com doçura, de uma maneira que eu não saberia repetir, suas impressões. Os médicos olham-no nos olhos, estes belos olhos que nunca foram tão belos e nem mais inteligentes, e dizem entre eles: "É estranho." Há, em Arthur, alguma coisa que eles não compreendem."

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Sacanagem

O amigo Ricardo Soca, etimologista, manda essas considerações para a Palavra do Dia: Antenor Nascentes propunha uma origem pouco verossímil para esta palavra, baseada no vocábulo árabe acaccá, que significa aguadeiro. Na falta de outra mais consistente, essa etimologia foi recolhida por alguns dicionários, embora Antônio Geraldo Cunha advertisse que sacanagem e sacana são duas palavras de origem obscura.

No Novo Dicionário Banto do Brasil (2003), Nei Lopes afirma que o étimo encontra-se no quicongo sàkana, brincar, divertir-se, jogo, divertimento. Este autor crê que a raíz de sàkana é a mesma de disokana, copular e também de sakanesa , acariciar, esta já mencionada por Silva Maia.

Houaiss data sacana no século XVIII e aponta como sinônimos canalha, devasso e espertalhão, enquanto sacanagem teria aparecido só no século XX, mediante a aposição do sufixo -agem, uma vernaculização do francês -age, empregado em português, entre outras coisas, para dar sentido coletivo a alguns substantivos, como em ramagem, folhagem, etc.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Khadji Murát


A última história contada por Léon Tolstói começa e termina falando de uma flor chamada bardana. Mas é uma novela que narra a saga de um guerreiro tchetcheno que viveu antigamente, numa época em que os tchetchenos já lutavam contra os russos. Tolstói, um dos maiores escritores da história de todas as literaturas, era um pacifista. Em Khadji Murát, no entanto, o tema é a guerra, com sua brutalidade e a coragem que exige dos homens.

O perfil do Czar Nicolau I, traçado neste livro, “com um olhar sem vida, o peito inflado e a barriga comprimida, que transbordava por cima e por baixo da compressão”, é o de um tirano insensível, cruel e ridículo. O poder absoluto, na maioria das vezes, está em mãos de pessoas medíocres.

Publicado em 1912, dois anos depois da morte do autor, Khadji Murát tem sua origem na época em que Tolstói serviu como oficial do exército russo no Cáucaso e ouviu dos camponeses a história do guerreiro que resolveu seguir o seu próprio caminho. Foi a última manifestação do vigor criativo de um grande escritor antes de morrer.