quinta-feira, 27 de maio de 2010

O homem invisivel


Em seus sonhos ingênuos povoados de absurdos, como costumam ser os sonhos, as crianças se imaginam com superpoderes, capazes de voar, destruir monstros inimigos e alcançarem a invisibilidade. As histórias em quadrinhos criaram superheróis que passaram ao cinema com o mesmo sucesso.

O homem invisível foi criação de H.G Wells, numa obra-prima de ficção científica, entre outras que ele escreveu, como A Guerra dos Mundos e a Ilha do Dr. Moreau. Quando não queria ser visto, bastava ao homem invisível retirar as faixas que usava cobrindo o corpo, para então circular entre as pessoas sem qualquer possibilidade de ser percebido.

As crianças gostariam de às vezes se tornarem invisíveis. Quando envelhecem, percebem que se tornaram mesmo invisíveis, podem andar pela rua e trafegar entre a gente, acompanhar multidões sem serem percebidas. É dessa forma que os velhos conseguem tornar reais as fantasias infantís que um dia excitaram sua imaginação.

domingo, 23 de maio de 2010

Três mulheres

Eram três mulheres de ar cansado que tomavam chope no fim da tarde, alheias ao burburinho da Barata Ribeiro na hora do rush. As mesas do botequim estavam todas ocupadas, como sempre no fim da tarde, e o barulho incomodava, como de hábito. Diante da zoada que elas mesmas produzem, as pessoas costumam falar cada vez mais alto para serem ouvidas e acabam quase gritando.

As três mulheres usavam roupas coloridas, falavam alto, às vezes ao mesmo tempo, como as mulheres costumam fazer quando estão em grupo e conversam entre si. Frases soltas podiam ser ouvidas de longe e quem estivesse sentado na mesa ao lado podia escutá-las, mesmo que não pretendesse ouvir o que diziam.

Elas não eram jóvens mas não aparentavam sentir-se velhas. Penso que falavam de amor e do tempo passado, pois uma delas de vez em quando repetia, como se desejasse informar ou convencer as outras, eu já fui amada, eu já fui muito amada.

Os motores aceleravam quando o sinal abria para o verde, aumentando o barulho e a poluição do ar, como acontece todas as tardes em Copacabana.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Looping


Pelas estatísticas da FAB, quase 30 por cento dos acidentes aéreos ocorrem durante o treinamento de pilotos, por culpa dos aprendizes ou da inabilidade dos instrutores.

A história verdadeira e mais surpreendente que já ouvi é a de um desses acidentes. Quando conheci Gilberto, já formado em engenharia, ele confirmou: o que tinham me contado realmente acontecera. Ele havia mesmo caido de um avião, durante treinamento quando era cadete da Aeronáutica.

Estava em vôo solo, o que significa já ter alguma experiência como piloto. Disposto a executar algumas piruetas para exibir técnica e performance, deu-se mal no primeiro loop. Havia esquecido de atar o cinto de segurança e despencou no vácuo. A FAB perdeu um avião e um piloto que escapou da morte sem qualquer ferimento e resolveu estudar engenharia.

domingo, 16 de maio de 2010

No Araguaia


Conhecí aquele inglês alí na divisa de Mato Grosso, Tocantins e Goiás, trabalhando como gerente de uma pousada flutuante no Rio Araguaia. Costumavamos nos hospedar neste botel, de onde saíamos para pescar em canoas com motores de popa, num horário que ia das quatro às dez da manhã, quando o sol se tornava insuportavelmente quente. Taylor, que se dizia de uma pequena cidade perto de Manchester, era nosso anfitrião e guia pelos pesqueiros do Araguaia.

Era ele quem nos despertava, às 3 e meia da madrugada, de modo a que pudessemos estar em plena atividade por volta das quatro. Nada comia pela manhã, tomava apenas um copo de água e, a partir das oito, abria a primeira lata de cerveja e continuava a beber durante todo o restante do dia. Aquele copo que ele dizia ser de água, descobri mais tarde, na realidade era uma farta dose de gin. Nunca o vi embriagado, embora tropeçasse nas palavras, por conta da sua dificuldade com o português.

Da mesma maneira como apareceu nas margens do rio em busca de trabalho, também desapareceu. Quando chegamos no meio do ano, depois das grandes águas, o novo gerente do botel disse que Taylor certo dia pediu as contas, tomou uma última dose de gin, pegou carona num batelão de transporte de gado e sumiu para sempre.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Sao Francisco


Dizem que Ouro Preto é uma cidade onde a humanidade construiu o que tinha de melhor e de pior. Crimes, traição e ganância estão presentes na sua história. E os fantasmas rondam a cidade, dizem as lendas – ninguém passeia sozinho na sua névoa, pois uma sombra do passado o acompanha por onde for.

Cada freguesia tem sua igreja, construida nos tempos da abundância do ouro e da transbordante religiosidade do povo. Algumas são de grande beleza, como esta que fotografei no meio da noite enevoada. A igreja de São Francisco de Assis começou a ser construida em 1766, é tida como a obra-prima do Aleijadinho, que foi seu arquiteto e escultor.

Outro mestre do barroco mineiro, Manoel da Costa Ataíde, pintou o teto, representando a assunção de Maria. Os seus santos, santas e anjos trazem nos seus rostos traços dos povos africanos escravizados.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Outono


Apesar da eventual ocorrência de frentes frias que trazem chuva, maio é um dos meses que oferecem ao Rio o tempo mais agradável e temperaturas amenas. Junto com setembro, mostra que outono e primavera são as mais amáveis estações do ano. Elas fazem uma cidade mais tranquila, protegida das canículas do verão e da fria umidade do inverno.

Copacabana prepara-se para hibernar, pois vive do agito do verão carregado de turistas e de banhistas que desfilam seminús pelas calçadas. Agora, no outono, sua verdadeira população sái às ruas. Já não precisa se proteger do calor que torna mais difícil a vida dos mais velhos, enquanto os jóvens sonham com temperaturas que tragam de volta os dias de praia. Pois é na praia que eles vivem a maior parte de suas vidas, onde socializam, acasalam e assistem ao início e ao fim de um novo verão, que traz sempre uma novidade e alguma nova surpresa.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

O espetáculo e o medo


Nas duas vertentes adotadas pelo cinema – arte ou indústria – os filmes americanos cada vez mais exibem a escolha das suas platéias pelo espetáculo massificado. Distante da reflexão que toda obra de arte provoca, convidando seu público a uma participação criativa, a indústria americana optou por oferecer ao mercado de um lado a pirotecnia tecnológica e de outro o terror como diversão.

A carência de roteiros criativos é compensada pelos pesados investimentos na produção de blockbusters ingênuos: Avatar, Homem de Ferro e outros super-heróis dos quadrinhos convocados por Hollywood. Uma onda escapista de filmes de animação começa também a invadir o mercado.

A produção B especializou-se na exploração dos pesadelos infantis da classe média americana, criando um gênero que aos poucos se transforma numa cultura do medo. Na falta de emoções sutís, a indústria investe o que é possível na criação de impactos violentos, na exibição de crimes horrorosos e nas ameaças do terror sobrenatural, em fórmulas testadas e repetidas para lotar os cinemas e vender milhões de cópias.

Penso que existe oportunidade para um novo cinema nos Estados Unidos, capaz de criar novas platéias, saturadas de tanto sangue e tanto medo.

domingo, 2 de maio de 2010

As paixões


Existem pelo menos três temas que fazem despertar paixões impossíveis de controlar: futebol, política e religião. Quando faz parte de uma torcida, de um partido político ou de uma das revelações da divindade, o indivíduo abre mão da sua identidade e passa a ser o átomo de um corpo do qual é a menor partícula. O pensamento lógico se retrái para dar lugar à paixão, que é irracional.

Existem, claro, outros tipos de paixão além daquelas. A paixão amorosa é uma delas, quando o amor abandona o altruismo e passa a ser uma doentia necessidade de posse e dominação. O sujeito apaixonado vive a obsessão de um pensamento fixo, um tipo de esquizofrenia que o aliena e o escraviza dentro do círculo da insanidade.

Os tipos mais comuns de paixão situam-se, porém, nas torcidas esportivas e os excessos que conduzem multidões a batalhas campais com mortos e feridos. Na luta pelo poder político, quando o confronto de opiniões contraditórias podem levar à guerra e à destruição. E na crença fanatizada na palavra que teria sido pronunciada por Deus, outra fonte de loucura que conduz à violência cega.