domingo, 29 de novembro de 2009

A velhinha que alimenta os pombos


Diariamente ela vai à praça Cardeal Arcoverde, em frente ao metrô, alimentar os pombos. Já ouviu comentários de quem acha que pombos transmitem doenças e são verdadeiros ratos alados. Un homem lhe disse que são predadores e dizimam outras espécies de pássaros. Acabaram, por exemplo, com os pardais e as cambaxirras que viviam nas árvores de Copacabana.

Mas a velhinha não está convencida e acha que são aves bonitas, que se aproximam das pessoas e alegram as ruas. E diáriamente leva um saco de milho para os pombos da praça em frente ao metrô.

Um amigo observou que a bondade das velhinhas muitas vezes chega a resultados que elas mesmas não desejam. E exemplifica com a estrada entre Itaipava e Teresópolis, que era ladeada por hortensias e encantavam as velhinhas com a sua beleza. Aos poucos, fascinadas com as flores azuis, elas saltavam dos automóveis e as colhiam e, assim, as hortensias desapareceram da estrada.

A velhinha que ama os pombos conversa com eles e pouco se importa se são predadores ou transmitem infecções, pois são bonitos e a reconhecem quando se aproxima com o saco de milho, acercam-se dela e vêm comer na sua mão.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Bar Urca


O Bar Urca na verdade é apenas um balcão que vende cerveja muito bem gelada e alguns acompanhamentos muito bem feitos, em que se destacam os pastéis e as empadas. Não possúi mesas, mas a vasta clientela, de copo numa mão e garrafa e tira-gostos na outra, dirige-se para a amurada em frente ao bar, diante da bela enseada da Urca, debaixo das amendoeiras.

Nos fins de semana, as vagas na amurada são disputadas pela pequena multidão mas nos dias de semana é um recanto tranquilo, bucólico e fresco nesses dias de verão antecipado e quente.

Em cima do bar, funciona o restaurante. Um bom restaurante de frutos do mar e cozinha variada, como sabem fazer os velhos portugueses como seu Armando Gomes. Aos 93 anos, ele ainda comanda a casa, desde 1972, quando fechou o antigo Café Esplendor, em Ipanema, e abriu o boteco da Urca. Diz que 79 dos seus 93 anos passou atrás do balcão.

Seu Armando instalou lixeiras na amurada e diáriamente manda fazer uma faxina. É um velho profissional, sabe os segredos do funcionamento de um botequim e de um restaurante que são distintos mas se completam.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Noctâmbulos


Eles vagueiam pela noite nas ruas quase vazias, sempre sozinhos, e todos parecem ter uma maneira de andar meio curvada. Passeiam vagarosamente e sem olhar para os lados. De comum entre eles, a palidez dos noctâmbulos em contraste com a pele bronzeada dos frequentadores da praia, os jovens e os de meia idade que costumam ser vistos durante o dia ou no fim da tarde ainda afogueados do calor do sol.

Estão sempre na vizinhança das farmácias que abrem à noite e avançam as madrugadas nos bares noturnos onde entram apenas para tomar café. É muito raro vê-los conversando com alguém e uma das ruas preferidas por eles parece ser a Hilário de Gouveia, onde a delegacia de polícia permanece aberta durante toda a noite.

Não se confundem com os que exercem atividades noturnas – garçons, prostitutas, taxistas e marginais diversos – pois o que fazem é apenas andar, vagar pela noite.

Não sei quantos são, mas tenho certeza de que não são poucos esses estranhos personagens de Copacabana, habitantes da noite que devem se sentir melhor movendo-se nas sombras.

domingo, 22 de novembro de 2009

Turistas


O canto irritante das cigarras manda avisar que estamos na estação do calor, mesmo que tenha, ainda, o nome de primavera. Nas árvores próximas do metrô, elas parecem que são centenas cantando em coro neste dia quente.

O sol castiga os de pele branca, as meninas estrangeiras hospedadas na pousada Mellow Yellow estão vermelhas como um pimentão recém colhido, algumas delas exibem o namorado conquistado aqui mesmo, na comunidade afrobrasileira e este encontro tem a beleza dos romances e dos prazeres intensos.

O rosto dos transeuntes exibe calor, há um toque de mau-humor nas fisionomias e os bares de rua vendem milhares de litros de cerveja. Copacabana começa a receber sua população flutuante, ônibus lotados que vêm do Estado do Rio, de Minas e do interior de São Paulo. Chegam muito cedo, estacionam na Barata Ribeiro, devem ter viajado toda a noite. Os passageiros saltam, procuram entender de que lado fica o mar e em seguida correm excitados em direção à praia, de onde voltarão cansados, bêbados, para empreenderem a viagem de volta no fim da tarde.

Penso que está muito próximo o dia em que, ao contrário das aves migratórias, preciso tomar a direção do Norte em direção ao frio.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Partidas


Desde a segunda metade do século passado, quando Rashomon, de Kurosawa, estreou no Ocidente, o cinema japonês nos surpreende com filmes diferentes e de grande sensibilidade. Nagisa Oshima, Hayao Miyazaki, Shohei Imamura, Hideo Nakata são alguns dos nomes exóticos de realizadores que aprendemos a conhecer e admirar.

Produzido no ano passado, Partidas (Okuribito), de Yôjirô Takita, foi premiado com o Oscar de melhor filme em língua estrangeira de 2008 e também surpreendeu Hollywood como um filme de concepção original, que fala da morte sem implantar o terror que o cinema americano inevitavelmente associa a este tema.

Trata-se de um filme ao mesmo tempo dramático e divertido, onde a morte é tratada como um ritual cuja beleza depende da maneira de encarar esta partida que todos nós um dia iremos empreender.

O estilo de Takita é ao mesmo tempo leve e reflexivo, com a colaboração de atores extraordinários cuja forma de atuar transmite com precisão as nuances emocionais e a humanidade dos seus personagens.

O cinema americano de hoje poderia aprender muito com o moderno cinema japonês.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Eduardo


O homem mais elegante e encantador que conhecí chamava-se Eduardo Garcia. Um príncipe. Não sei por onde ele anda. Fui seu amigo por mais de quarenta anos e acompanhei suas venturas e desventuras com as mulheres. Diplomático, educado, sensível, com ar desprotegido, manteve desde a adolescência um romance com oito diferentes namoradas - ao mesmo tempo.

Surpreendente como ele conseguia manter o equilíbrio saindo ora com uma, ora com outra. Durante anos elas jamais souberam que faziam parte de um pequeno harem e ele usava sua grande habilidade para driblar os telefonemas de todas, no fim de semana, até conseguir resolver, diante de grandes dúvidas, com qual iria se encontrar.

Por maior que seja a habilidade de um homem, ele nunca enganará uma mulher durante todo o tempo, quanto mais oito, e elas acabaram por descobrir a situação em que há muito viviam. Algumas se uniram para executar pequenas vinganças. Um domingo, na praia, ele estava na companhia de uma delas quando percebeu que outra se aproximava e estendia a toalha na areia. Alguns minutos depois, mais uma delas sentou-se nas proximidades. Uma difícil situação, que Eduardo resolveu tomando várias cervejas seguidas, até adormecer.

Quando acordou, anoitecera. Ele estava sozinho na praia imensa.

sábado, 14 de novembro de 2009

As tribos


As variadas tribos de Copacabana validam a palavra diversidade, que anda na moda quando se fala de uma sociedade moderna que aceite de bom grado o direito das minorias. Pois minorias é o que não falta no bairro. A primeira delas é a dos velhos que habitam os prédios antigos e formam a primeira referência. Exibem sua pobreza e sua dignidade nos supermercados, nos bancos, nas festas e nas ruas distantes da praia. Eles vieram para cá nos anos cinquenta, antes que Ipanema e Leblon despontassem como áreas residenciais e muito antes da Barra, o enorme areal hoje ocupado pela classe emergente dos subúrbios.

Tem os boêmios que enchem os bares da noite e, entre as profissões noturnas, ainda se destacam as jovens prostitutas e prostitutos que fazem ponto na Avenida Atlântica. Um garçon me chamou a atenção para a raridade das velhas prostitutas de antigamente porque, segundo ele, as de hoje tomam drogas e morrem cedo.

Há o mundo, o submundo, os atletas, as favelas, os jogadores de cartas das praças públicas, os pequenos e os grandes ladrões, criminosos e policiais de todos os matizes. Todos vivendo juntos. 150 mil pessoas em 79 ruas, sem contar os turistas e os que vêm de outros bairros e enchem a praia no fim de semana.

Hoje, um sábado quente, o bairro ferve, os bares lotam, as mulheres se despem em Copacabana, o mais cosmopolita e democrático e também o mais louco dos bairros da cidade.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

This is it


As altas ombreiras, lapelas largas e roupa justa brilhante como a de um toureiro ajudam a compor, junto com extraordinários efeitos cenográficos, o ambiente pop em que Michel Jackson surge e reina como um duende hipercinético. Sua voz fina, muito bem colocada, atinge notas altíssimas, a banda o acompanha nos agudos e os dançarinos em sua volta repetem todos os seus gestos e criam um extraordinário espetáculo visual num palco que parece enorme e que assim mesmo se amplia ao infinito.

This is it
é um musical produzido com o material filmado durante os ensaios do show que iria assinalar, em Londres, a volta de MJ ao palco. O resultado faz a platéia do cinema imaginar: se aquilo tudo era um simples ensaio, o que dizer do espetáculo mesmo, no dia da sua estréia? Kenny Ortega, diretor do show que jamais vai estrear, fez do making of um filme que não será esquecido.

Michel Jackson foi um pop-star com uma grande intuição dos efeitos que uma cena poderia provocar na plateia. Penso que até sua transformação física ao longo dos anos atendia à busca de expressividade e à construção de uma bela figura de si mesmo a ser apresentada nos seus espetáculos. Talvez Spike Lee tivesse razão quando disse, aqui no Brasil, que ele era o maior artista do mundo.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Retorno


Ele andou sumido por um bom tempo e reapareceu ontem, no fim da tarde, no botequim de sempre. Está bem mais pálido, com ar ainda mais doente. Registrei aqui a sua ausência:

Clique.

Ontem estava sozinho, sem os três habituais companheiros. Continua fumando muito. Bebia caipirinha em copo longo, com muito gelo, certamente para compensar o forte calor que anda fazendo. A bengala repousava numa cadeira e noto que a mão passou a tremer, enquanto fuma. Seu olhar não para. Observa cada uma das pessoas que passam na calçada. Presta mais atenção aos jovens, moças e rapazes que voltam da praia no final do dia.

Estas tardes muito quentes da primavera prolongam-se no horário de verão e os dias ficam mais longos, a noite demora a chegar. Ele bebe mais um pouco e fuma mais alguns cigarros. Quando finalmente começa a escurecer, levanta-se, apoia-se na bengala, espera o sinal abrir, atravessa vagarosamente a rua e dobra a esquina da República do Peru.

domingo, 8 de novembro de 2009

O estouro da boiada


Em plena primavera, aí está o verão com seus sobressaltos. Já bateu o recorde de calor do ano e as mulheres estão mais nuas. O suor que escorre e o semblante aflito das pessoas trazem a certeza de que pelo fim de dezembro, princípio de janeiro, a cidade verá amolecer o asfalto das ruas. Ontem, um gaiato já fritava um ovo numa depressão da calçada da Avenida Atlântica.

Dizem que vai chover mas a previsão do tempo no Hemisfério Sul não merece confiança e as praias vão continuar ocupadas por multidões que cobrem completamente a faixa de areia. As praias trazem perigo, neste calor, pois os jornais gostam de anunciar arrastões e basta uma altercação entre dois banhistas para provocar o estouro da boiada. As pessoas começam a se afastar da briga, algumas correm e, de repente, dá-se o pânico, uns atropelam os outros e os ratos de praia fazem a festa.

Nenhuma multidão é capaz de pensar. Ela obedece ao comando do mais louco dos seus componentes

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Viajando de metrô


Seis horas da tarde, o metrô em direção ao centro ferve de calor e gente. A imagem de sardinha em lata me vem à cabeça e um jóvem suado come dois churros e lambe os dedos. O comboio para em Botafogo e permanece parado enquando os auto-falantes avisam que se espera o tráfego se normalizar à nossa frente.

Com o trem na espera, de portas abertas, mais passageiros entram no último vagão, que fica bem ao lado da escadaria. Alguns chegam correndo e forçam a entrada, enquanto outros mais tímidos olham para a porta espirrando gente, desistem e correm para procurar outro vagão.

É o prenúncio do forte verão que está chegando. Muitos estão voltando da praia, outros voltam para casa depois do trabalho. Constato algo interessante: já vivi situação semelhante no metrô de Paris e sinto no ar que o povo do Rio tem cheiro melhor do que o povo de lá.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Procura-se o nome do poeta


O amigo Maldonado encontrou na net um poema sem identificação de autoria e pergunta se eu teria alguma ideia de quem o escreveu. Também não o conhecia nem sei do autor. A linguagem, o tema, a ausência de auto-comiseração lembram o melhor de Charles Bukowski. É um belo poema. Se alguém que passar por aqui souber quem o escreveu, por favor dê notícia.

O que sobrou de mim


O que sobrou de mim não é bastante
para mostrar o desperdício de meus sonhos

A gente se acostuma às próprias rugas,
Com a água, um a um, vão os cabelos
Cultivamos vícios que fedem nas latrinas
Orgulhosos acariciamos com a língua
o dente de titânio implantecente a gengiva
Capengamos e mentimos que nossos ossos
se ajustam e, em surdina, nós ganimos
só agarramos com vontade o veludo

O que sobrou de mim
foi muito pouco para a sede
do que ainda quero viver

Vivi o que podia
mas como ia saber
que a vida não tem fim?

Desde o início
não importa a idade