quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Mendigos

Muitos mendigos desapareceram das ruas de Copacabana, talvez porque os turistas ainda não chegaram – eles preferem o verão – talvez em busca de outros bairros mais nobres e mais ricos. Mas ainda existem os que defendem o seu ponto e entre eles se destacam a mulher elegante, o da falsa dor de dente e o da falsa paralisia cerebral.

Ela não chega a ser propriamente elegante mas, a julgar pelas roupas, dificilmente seria identificada como pedinte. Está sempre sem dinheiro para a passagem e na sua abordagem, com expressão preocupada no rosto, pede dinheiro para completar o preço da viagem de ônibus até Nova Iguaçu. Sempre nas imediações da Praça Serzedelo Correa, sua tática tornou-se conhecida nas redondezas e já não faz tanto efeito. Estaria na hora de procurar outro ponto.

No sinal de trânsito da Avenida Atlântica, com o rosto denotando enorme sofrimento, ele põe a mão no queixo e, com a ajuda da outra, balbucia um pedido. De vez em quando, para descansar o braço, troca de mão e de lado do queixo. Já o vi sorrindo e conversando, antes de incorporar a dor de dente e começar a performance.

O outro imita com perfeição um portador de paralisia cerebral. Movimentos desordenados, andar de pernas bambas e voz engrolada, sorridente e simpático. Já testemunhei seu desembaraço, ereto e elegante, desfilando num bloco de carnaval na Barata Ribeiro, abraçado a uma bonita mulata.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Luar sobre Copacabana


Névoa e gás envolvem a lua,
paredes e muros de Copacabana.
Reflexos imitam a lua, deságuam
nas línguas negras,
são estranhos animais.

Invisível-indivisível, o corpo
anda : corpos velhos sob a lua.
Os velhos passam, não são vistos.
São peixes transparentes contra a água
de outros corpos na rua.

Entre o mar e os edifícios
o areal rompe as ondas,
suja os olhos e a boca,
constrói no ar seu roteiro.
Deixa traços no caminho.

Uma noite sem mistério
ou sonho. Um homem senta-se ao bar,
aspira o hálito do tempo,
bebe ao futuro. As horas,
uma a uma, desperdiçam seus sinais.

O movimento dos vultos,
cães silenciosos, homens apagados
misturados ao trânsito da noite.
O tempo espelha sua lâmina
no refluxo das águas.

O sereno, as sombras e o silêncio
juntam-se nas esquinas das ruas
e avenidas do Leme ao Posto Seis.
Transitam além dos olhos, na alma
que não consegue adormecer.

Há um território do sono
explorado pelo mar e seus ruídos ,
habitação do medo , onde fantasmas
balbuciam sortilégios e os mortos
são aves recolhidas pelo vento .

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Yukio Mishima


Essas chuvas na primavera me trazem à lembrança o romance de Yukio Mishima – Neves de Primavera – que tem como pano de fundo um Japão ameaçado pelas influências ocidentais, perdendo suas referências culturais e sendo invadido pelo consumismo e a superficialidade.

O romance se passa na era Miji da história japonesa, que vai de 1867 a 1912 e retrata uma bela história de amor e amizade num país que perde suas referências culturais.

A elegância e a sutileza do estilo de Mishima, todo o seu conteúdo poético nos mostra como eram diferentes as formas de ver o mundo entre o Oriente e o Ocidente. Mishima, que chegou a fundar um movimento de caráter político para manter as tradições japonesas, escreveu mais de 40 livros entre romances, ensaios, poemas e peças para o teatro kabuki. Suicidou-se em 1970, cumprindo o ritual do harakiri.

Tinha acabado de escrever o último volume da série que chamou O Mar da Fertilidade, da qual Neves da Primavera foi o primeiro. Seguiram-se Cavalos em Fuga, O Templo da Aurora e, por último, A Queda do Anjo.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Cachaça


Marginalizada historicamente pela aristocracia, a burguesia e a melhor sociedade, a cachaça teve algum momento de glória depois que inventaram a caipirinha. Mas sofreu de imediato a concorrência do rum e, depois, da vodka, que sempre dispuseram de poderosos recursos de marketing. Voltou a ser a bebida da escumalha, dos pés-rapados, dos matutos do interior e do lumpen urbano, que sempre a tomaram pura.

Há alguns anos, com os programas de qualidade do Ministério da Agricultura, o aparecimento de associações de produtores e o cuidado geral na fabricação, ela começou uma trajetória de ascensão social e hoje já tem até lugar na pauta de exportações.

Estima-se que, se forem considerados os alambiques clandestinos, a produção de cachaça no Brasil, calculada em hectolitros, é maior que a de cerveja.

Duas regiões se destacam como produtoras de grandes cachaças: o Norte de Minas, principalmente a micro-região de Salinas, com sua terra rica em salitre, e o Nordeste, com sua cana caiana.

A burguesia e a melhor sociedade, com relutância, começam a aceitar a cachaça e também a identificar e valorizar seu terroir.

domingo, 20 de setembro de 2009

Domingo na praia


As minorias escolhem a praia para protestar contra a discriminação de que são vítimas e a Prefeitura para promover shows e demonstrar boa vontade com a população. Carros de som circulam em abertos decibéis, vendedores de picolé gritam e a garotada faz zig-zag nos skates.

Os quatro quilômetros do calçadão de Copacabana transformam-se num casbah onde tudo se vende, tudo se expõe e o barulho incomoda. Na ciclovia, bicicletas correm, ameaçam pedestres invasores do seu espaço, uma criança cái e chora. As competições de corredores de rua ocupam a pista fechada para o lazer e quem precisa de alguma forma aparecer estende uma faixa com um protesto qualquer.

As mulheres desfilam rebolando nádegas imensas, os quiosques espalham cheiro de gordura e um trio elétrico amplifica a voz de um péssimo cantor.

A praia, aos domingos, é um lugar desagradável. E ainda não começou a campanha política.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Uma geração privilegiada


O amigo me dizia que a nossa é uma geração privilegiada Quando tivemos nossa iniciação, haviam há pouco descoberto a penicilina e ficamos livres da sífilis e dos gonococos. Em plena juventude, a pílula libertou as mulheres e fomos beneficiários da revolução sexual dos anos sessenta, contemporâneos de Woodstock, dos Beatles e dos Rolling Stones.

Muitos de nós se perderam na escuridão das drogas, outros procuraram mudar o mundo. Muitos se tornaram velhos reacionários, vociferando contra tudo o que é novo.

Mas a prova de que a nossa geração teve muita sorte, dizia o amigo, é que no momento da vida em que os nossos antepassados se retiravam para uma vida de forçada castidade, foi descoberto o Viagra.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

O terror como modelo


Os suicídios em série dos empregados da France Telecom revelam bem o caráter perverso do estilo de administração adotado pelas grandes empresas. O mito da eficiência e da produtividade, baseado na exploração em tempo integral do pessoal e cultivado pelos gerentes, começa a fazer as suas vítimas.

As empresas mundializadas orgulham-se de dizer que contam com milhares de empregados full-time. Isto significa que o contrato de trabalho, hoje, não respeita horários. O empregado está à disposição da empresa 24 horas por dia, sete dias por semana. O poder que sobre ele é exercido estimula o surgimento de chefes medíocres mas com atribuições de julgar, premiar, transferir, punir e destruir carreiras profissionais.

É o reinado do estresse e da insegurança, o terror como modelo de gestão de pessoas.

A ilustração é um quadro chamado Le Suicide, de Edouard Manet.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Romeo Dallaire


O General canadense que, em 1994, comandou as tropas da ONU numa missão em Ruanda, voltou para casa levando consigo um colapso emocional e a descrença na capacidade das Nações Unidas como força de paz. Romeo Dallaire (www.romeodallaire.com) assistiu, incapacitado de qualquer ação para impedí-lo, ao genocídio que massacrou 800 mil ruandenses em poucos dias, numa guerra étnica que até hoje mantém o país em permanente crise.

Depois dessa experiência, em que se viu abandonado pela própria ONU e pelos grandes países, que nada fizeram para evitar o massacre, o General Dallaire tentou por duas vezes o suicídio e conseguiu, com muita dor, se recuperar emocionalmente. É hoje um ativista da paz e candidatou-se, com sucesso, ao Senado do Canadá.

Seu livro – Shake hands with the devil – já rendeu dois filmes. É o testemunho da sua indignação e de um tempo que assistiu à falência da humanidade.

sábado, 12 de setembro de 2009

A Prado Junior


Durante muito tempo, pensei que fosse uma rua. Mas a Prado Junior é uma avenida, de longa tradição na boemia de Copacabana. Lá funcionaram o Beco da Fome e o Cinema 1 e seu nome esteve sempre ligado às moças que fazem a vida e à própria vida marginal.

Pelo menos três grandes catedrais do sexo – Barbarella, La Cicciolina e Frank’s Bar – estão nas suas proximidades. Foi lá que surgiram as primeiras boates do Rio, como Tabaris e Plaza, de fama esquecida e que se perderam no tempo.

Prado Júnior, que a ela emprestou seu nome, foi prefeito do Rio quando a cidade se chamava Distrito Federal, durante o governo Washington Luiz. Era um paulista meio aventureiro e simpático.

Nos bares da esquina da praia, reunem-se estranhos tipos de turistas, vindos dos mais diversos e distantes paises. Sempre que passo em frente, tenho a impressão de que grande parte de todos os crimes praticados no mundo são planejados alí.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Comércio na Lapa


Ele vende uma rodela de abacaxi a 0,50 e cada um rende dez rodelas, portanto cada abacaxi representa o valor de R$5,00. Como vende cerca de 50 abacaxis por dia, garante o faturamento diário de R$250, que duplica nos dias de calor, quando os clientes fazem fila.

Este é um dos pequenos negócios que movimentam a Lapa e, à noite, junto com os vendedores de bebida, churrasquinhos, acarajés, empadas e toda sorte de comida abastecem a multidão e fazem a festa do bairro. Sem contar as centenas de bares e botequins caros e baratos que transformaram a Lapa no sucesso de público que é hoje, depois de quase morrer à míngua por décadas.

Esta é a segunda existência desse bairro que foi o centro da boemia do Rio nas décadas de 20, 30 e 40 e que entrou em decadencia, quase morto, para ressurgir das cinzas e virar centro turístico internacional, lugar de paquera jóvem, corredor cultural e grande mercado para empreendedores informais, como o vendedor de rodelas de abacaxi.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

A Dutra


Considerada a principal estrada do país, porque liga as duas cidades mais importantes e atravessa a região mais rica, a Via Dutra encontra-se em razoáveis condições de tráfego mas não se livra dos engarrrafamentos. Principalmente nos feriadões.

A começar da saída do Rio, logo na saída da Linha Vermelha. O afunilamento paralisa o trânsito e o viajante pode acrescentar uma hora a mais no seu trajeto. A estrada está sempre a sofrer obras que, se de um lado demonstram cuidados de manutenção, de outro provocam longas filas e outros testes de paciência.

E há o tédio das estradas. A rodovia é sempre algo maçante, invariavelmente chato. E os engenheiros rodoviários do Brasil bem que poderiam aprender algo com o planejamento das estradas no chamado primeiro mundo.

domingo, 6 de setembro de 2009

A mata


No contraforte da Serra do Mar, onde estou, faz o frio de um inverno europeu. O verde das montanhas lembra a Provence e a estrada de Parati encontra-se intransitável. A estreita via foi inicialmente o caminho dos índios tamoios em direção ao mar, aproveitado depois pelos portugueses, por onde exportavam o ouro das Minas Gerais para a metrópole portuguesa.

Há um esforço da indústria do turismo para criar o mito de uma estrada real cruzando Minas, o Estado do Rio, passando por São Paulo. O trajeto de Guaratinguetá até a fronteira do Rio é de razoável qualidade mas deste ponto até Parati transforma-se num caminho esburacado, intrrompido e perigoso na época das chuvas. Mas é de grande beleza. A mata atlântica é uma presença exuberante. Pode estar ameaçada, se um projeto turístico mal orientado trouxer lixo, vândalos e trânsito pesado.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Anúncio do verão


Chegou setembro e a cidade começa a exibir os seus mais belos dias, de ceu sem núvens e temperaturas amenas. Deve chover no fim-de-semana da pátria mas a primavera se anuncia com seu sol. O Rio é uma cidade que hiberna, fica silenciosa e sonolenta de abril até setembro para ressuscitar na primavera e regurgitar no verão.

Copacabana já dá sinais de vida. Os turistas estão na praia, nas calçadas e nos botequins do bairro. Ainda estão brancos, pois o verão ainda não chegou, mas alguns começam a exibir a fina pele branca com tonalidades de vermelho e roxo.

Devemos nos preparar para o verão. O calor deste ano promete chegar aos píncaros de dezembro para janeiro e já nos esquecemos das selvagens temperaturas do verão passado. O Rio, mais uma vez, se tornará uma cidade louca.