quinta-feira, 30 de julho de 2009

Mistério para sempre


O BEA (Bureau d’Enquêtes et Analyse pour la securité de l’ aviation civile) da França concluiu com perplexidade seu relatório sobre o trágico vôo 447 da Air France: a tripulação era bem treinada, o avião não tinha problemas de manutenção, deixou o Rio com verificação técnica adequada, a rota nada tinha de anormal e apresentava as condições típicas do mês de junho. Mesmo assim, o avião caiu de bico em alta velocidade e, segundo o relatório, chocou-se com as águas em alta aceleração vertical.

Vamos continuar ignorando o que causou este acidente. Restará talvez para sempre o mistério sobre a morte dos 12 tripulantes e dos 216 passageiros que, depois do jantar, se acomodavam para a travessia do Atlântico na tranquila viagem numa rota que já fiz tantas vezes.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Deus e o Diabo em Copacabana


Numa loja da Barata Ribeiro onde funcionava uma pequena mercearia abriu uma igreja evangélica, faz cerca de um ano. Um pastor de voz poderosa e ameaçadora trouxe aos poucos alguns fiéis que entoavam hinos de redenção. Esses poucos adeptos iniciais foram se multiplicando e hoje a loja fica cheia durante o culto dos sábados.

O botequim ao lado reagiu fazendo uma reforma nas instalações, trocou mesas e cadeiras e contratou jovens garçonetes. E também multiplicou o número de clientes. Há um ano que assisto à competição entre o botequim e a igreja. Por enquanto, o botequim está na frente no que se refere ao número de fiéis.

O templo se chama Igreja da Multiforme Sabedoria de Deus e o botequim, simplesmente, Bar e Café União.

sábado, 25 de julho de 2009

O labskaus redescoberto

Em frente ao prédio onde funcionou o Ficha de Dona Maria Schaade, na rua Teófilo Otoni, o Faria incorporou a seu cardápio o labskaus, cuja receita original já postei aqui. A apresentação sofreu pequena mudança, com arrumação arredondada e dois ovos estrelados. Mas honra a memória do velho botequim que morreu junto com seus donos, pois a sobrevida que teve nas mãos de Bernardo, o garçon, não foi de muita glória.

Dos cinco à mesa, Nilo foi o único que escolheu um kasseler, os outros pedimos labskaus e não nos arrependemos. Zé, chegado de Belo Horizonte, trouxe cachaça artesanal de Sete Lagoas e os outros três eramos Maldonado, Humberto e eu, felizes porque redescobrimos o prato que, nos anos setenta, nos fartava. Faltou o chope que Gehardt tirava no velho Ficha.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Liberdade e moto

Durante algum tempo usufruí do prazer de pilotar uma moto, experimentar as sensações da velocidade na estrada e dos obstáculos em trilhas quase inexistentes, subindo e descendo montanhas. Duas rodas e um motor cuja potência permite velocidade e força transmitem grande impressão de liberdade e independência.

Um amigo me disse outro dia que a verdadeira liberdade é estar sozinho. Eu acrescentaria que a verdadeira sensação de liberdade é estar sozinho, pilotando uma moto em campos vazios.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Dinheiro do Zimbabwe

O cartaz de out-door feito pela agência TBWA/Hunt/Lascaris, da África do Sul, para o jornal The Zimbabwean, do Zimbabwe, antiga Rodésia, ganhou o Grand Prix do Festival de Publicidade de Cannes. O cartaz foi impresso sobre a desvalorizada moeda do país, que tem cédulas circulando no valor de cem bilhões de dólares numa economia em colapso. O papel em que o cartaz foi impresso vale mais do que o dinheiro que exibe.

O Zimbabwe deixou de ser colonia inglesa em 1980 e desde 1987 encontra-se sob a ditadura de Roberto Mugabe, que se mantem no poder emitindo dinheiro e sufocando a oposição e a imprensa.

A campanha teve enorme sucesso: na semana de lançamento, o site do jornal teve dois milhões de visitas, contra os cem mil habituais, as vendas aumentaram 276% e milhares de exemplares do The Zimbabwean – cujo slogan é “a voz dos que não têm voz”- cruzam diariamente a fronteira da África do Sul e espalham-se pelo Zimbabwe.

sábado, 18 de julho de 2009

Orelha e Rabo de Porco de Coentrada


Sábado, dia de cozinha. Minha sugestão para hoje é retirada do livro Cozinha Tradicional Portuguesa, da Editorial Verbo, de Portugal, respeitada a redação original.


Ingredientes:
Para 4 pessoas

• 1 orelha
• 1 rabo de porco
• 3 dentes de alho
• 1 molho de coentros
• sal
• 4 colheres de sopa de azeite
• 2 colheres de sopa de vinagre

Confecção:

Preparam-se a orelha e o rabo de porco e dá-se-lhes uma entaladela (cozedura) em água temperada com sal.
Não devem ficar cozidos mas macios, apenas o suficiente para se poder espetar um garfo.
Escorrem-se, grelham-se, e cortam-se em bocadinhos e temperam-se com os alhos e os coentros picados finamente, o azeite e o vinagre.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

O medo


No poema a que deu o título Congresso Internacional do Medo, Drummond escreveu “cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte.
 Depois morreremos de medo 
e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.”

Pois o medo é sentimento que acompanha até os herois corajosos, cujo atos destemidos na maior parte das vezes são impulsionados pelo medo e não pela coragem. A indústria dos filmes de terror explora o medo irracional das audiências, muitas são as pessoas que não viajam de avião e outras tantas ficam gélidas de medo até de sair à rua.

O diretor de uma agência de publicidade paulista, com medo da violência no Rio, fazia reuniões com sua equipe carioca no aeroporto Santos Dumont, de onde voltava imediatamente para São Paulo. Na internet, são muitas as mensagens de medo advertindo sobre virus e outras ameaças imaginárias.

Meu amigo Lula certa vez me telefonou dizendo que acordara numa ressaca enorme e sentindo medo. Perguntei medo de que? E ele me explicou que de nada. Simplesmente medo.

terça-feira, 14 de julho de 2009

Cães


O cão foi o primeiro animal a ser domesticado pelo homem, para ajudá-lo a caçar. Nessa longa convivência, criaram-se laços de confiança mútua.

O cão é o único animal capaz de atacar outro maior do que ele próprio, pois sabe que atrás de si encontra-se o homem empunhando uma arma.

A cada dia, vejo mais moradores de rua e mendigos acompanhados de cães pela cidade, pois é nos animais que eles depositam a guarda de si mesmos contra o ataque noturno dos outros homens. São vira-latas bem tratados, de aparência melhor do que a de seus donos.

Já me chamou a atenção o mimetismo entre o cão e o seu dono, pois de tanto conviverem acabam se parecendo um com o outro.

domingo, 12 de julho de 2009

Pernil na mostarda


Ontem, deixei de postar a receita para o fim-de-semana. Mas como ainda é domingo, há tempo para fazer um prato rápido e infalível, como este pernil descrito no soneto.

Ingredientes: 1 pernil. Banha. Mostarda.

Este assado é tão fácil de fazer
que até quem nunca entrou numa cozinha,
quem não sabe fazer um ovo frito,
é capaz de passar por grande mestre.

O preparo da base é o seguinte:
fazer pequenos furos no pernil,
usando aquele garfo de dois dentes
ou apenas um garfo dos comuns.

Num tabuleiro untado deposite
a peça inteiramente recoberta
de uma espessa camada de mostarda.

Leve o pernil ao forno muito baixo,
marque uma hora para cada quilo
e mostre seu talento culinário.

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Animais


A crueldade dos homens com os animais tem nos zoológicos sua maior expressão. O antropocentrismo faz a espécie humana esquecer sua natureza animal. O homem aspira a vida eterna pela crença na imortalidade da sua alma, que nega existir nos outros indivíduos que com ele compartilham o espaço do planeta em que vive. Acredita na superioridade da sua espécie, o que lhe daria o direito de subjugar todas as outras.

Uma fera das vastas planícies africanas aprisionada na jaula do zoológico da grande metrópole é um espetáculo de tristeza. Transforma-se, evita a procriação no cativeiro.

Mais tristes ainda são os animais de circo. Subjugados, humilhados, maltratados, destituidos de sua própria condição de vida.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

O filho de Fábio

Leio a notícia de que a PM vai aumentar seus efetivos nas ruas e me lembro do filho de Fábio.

Fábio é um engraxate simpático que oferece seu serviço pelos bares de Copacabana. A pequena caixa que leva a tiracolo dispõe de todo o material necessário à boa execução do trabalho e ainda serve de suporte ao pé do cliente, num design improvisado e criativo.

Há um mês, o filho de Fábio jogava futebol com outros garotos da favela quando os soldados chegaram. Alguns correram para casa mas o filho de Fábio, que não tinha nada a temer, ficou onde estava. Levou um tiro na cara.

Era um bom garoto, diz Fábio. Nunca teve nada a ver com o crime. Tinha dezessete anos.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Banheiros

A polícia ameaçou prender e cumpriu a promessa, pois está detendo quem urinar em público. Os jornais fazem campanha contra a esse hábito tão deseducado que empestea as ruas e tira do ar o odor do mar e das lojas de sucos, tão típico do Rio de Janeiro, e o substitúi pelo desagradável cheiro de ureia.

Não existem banheiros públicos na cidade e a quantidade de gente cujos rins insistem em funcionar sem escolher hora e local é muito grande. Desde Vespasiano, imperador romano, aquele do pecunia non olet – “dinheiro não tem cheiro” – que a administração pública preocupa-se com este assunto. Mas entre nós o problema não foi resolvido por quem deveria construir banheiros públicos e foi entregue à polícia.

Na foto, um antigo pissoir da cidade de Paris.

sábado, 4 de julho de 2009

Cunha

A pequena cidade de Cunha, entre Guaratinguetá, em São Paulo, e Parati, no Rio de Janeiro, manteve-se isolada durante séculos. É lembrada como cenário de uma das poucas batalhas da Revolução de 30 e pelo artesanato em barro que lá se produz.

É um lugar tranquilo, de vegetação abundante e bela cobrindo as montanhas com os restos da Mata Atlântica, muitas nascentes, muita água e muito frio nos meses de inverno. A menos de 3 horas de carro de São Paulo, sua tranquilidade está ameaçada de seguir o destino de outras pequenas cidades pequenas e tranquilas. Primeiro vem a invasão de turistas em horda, depois a especulação imobiliária e a consequência natural: boates, vida noturna, drogas e crime.

O homem é um bicho estranho. Para fugir do estresse das grandes metrópoles, procura as pequenas cidades do interior. E leva consigo as mazelas de que fugia.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Brasília


Em Brasília, ontem, fez um dia claro, de amena temperatura. O clima agradável contrastava com o ambiente político e as intrigas do Senado, os ipês roxos se destacavam na baixa vegetação do Planalto Central. O por de sol é sempre de grande beleza naquelas paragens mas Brasília é uma cidade que se perdeu do destino para o qual foi concebida.

Seus criadores imaginaram uma cidade compatível com o futuro e onde a vida seria agradável ao homem e livre das tensões das grandes metrópoles. Foi planejada num momento em que o país ainda não fabricava automóveis e não se imaginou os enormes engarrafamentos, hoje tão problemáticos, iguais aos de qualquer megalópole contemporânea.

Um cinturão de pobreza também cerca Brasília. Seu isolamento foi construido numa terra que produz permanente poeira vermelha, no interior de Goiás.